Governo revê lista de offshores e cria bloco para praças especiais

Fisco já concluiu estudo para actualizar lista negra. Grelha de jurisdições deve encolher. Em paralelo surgirá uma lista secundária onde, em vez dos Estados, aparecem os nomes dos regimes fiscais. Partidos estão em silêncio.

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Portugal tem quase 90 jurisdições na sua lista negra Reuters/HENRY ROMERO

O Governo prepara-se para rever a lista negra dos paraísos fiscais e desdobrá-la em duas grelhas de leitura, criando uma lista principal e uma secundária, revela o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais, António Mendonça Mendes. É uma ideia desenhada um pouco à imagem do que faz a União Europeia, mas com um critério próprio para dividir as águas.

Portugal continuará a ter uma lista dos países ou jurisdições com um “regime fiscal claramente mais favorável” (de nula ou baixa tributação) e, em paralelo, existirá uma segunda grelha que, em vez de elencar os Estados, fará referência específica aos chamados “regimes fiscais prejudiciais” de algumas jurisdições (elencando, por exemplo, zonas francas ou centros financeiros com benefícios particulares que não se aplicam a todo o território).

Os países têm estratégias diferentes para lidar com os paraísos fiscais. Na União Europeia, há 16 Estados-membros sem listas negras, embora esse tenha sido a estratégia da UE para pressionar países terceiros a fazerem melhorias.

E embora haja critérios técnicos, a decisão é política e de geometria variável, influenciada pelas relações diplomáticas e históricas entre territórios, como mostram os casos de Macau e Cabo Verde, que, apesar de terem “regimes fiscais prejudiciais”, não estão incluídos na lista negra portuguesa.

Lisboa já chegou a fazer distinções entre jurisdições dentro da sua própria listagem. Aconteceu com o Luxemburgo, que fez parte até 2011, mas só para algumas especificidades do seu centro financeiro (as sociedades holding no sentido da legislação luxemburguesa de 1929).

A decisão de criar dois planos foi decidida pelo Governo a partir de um estudo elaborado pela autoridade tributária e deverá ser formalizada dentro de poucas semanas, depois de acertados os últimos pormenores.

A análise foi partilhada em Dezembro com os grupos parlamentares, a quem o Governo pediu que se pronunciassem antes de alterar a lista, mas tanto à esquerda como à direita não houve resposta. Um silêncio que contrasta com as críticas surgidas há dois anos quando Ilha de Man, Jersey e Uruguai saíram da lista negra (o Governo excluiu os três territórios, mas a decisão foi revogada por iniciativa do CDS e o apoio do PSD).

A avaliação europeia

Não se sabe ainda quais são as jurisdições que serão excluídas, nem quais as praças financeiras que aparecerão na segunda grelha. Uma divisão que o secretário de Estado dos Assuntos Fiscais remete para o momento da publicação oficial. Ao PÚBLICO, o governante confirma o que está decidido e o que está por decidir: “Na lista, além de países com um regime fiscal claramente mais favorável, haverá uma identificação secundária apenas de regimes preferenciais que se consideram prejudiciais e que existem nalgumas jurisdições, estando ainda a ser analisados os termos em que essa identificação será publicitada.”

O Governo sempre assumiu que quer encolher a lista, por ver vantagens em fazê-lo se um país fizer progressos em termos de troca de informações. Actualmente, o que a lei diz é que o ministro das Finanças tem em conta uma série de critérios para incluir um país na lista: se não tiver IRC ou aplicar uma taxa inferior a 60% da portuguesa (ou seja, abaixo de 8,5%), se tiver regimes especiais ou benefícios que levam a uma descida substancial da tributação, ou se a prática administrativa não permitir aceder a informação relevante para efeitos fiscais.

Mas o fisco também pode considerar “jurisdições com regime claramente mais favorável” aqueles que, apesar de não estarem na lista negra, tenham um IRC nulo ou muito baixo, um pormenor que permite ao fisco aplicar medidas defensivas de combate à erosão tributária em função da realidade e não do critério de estar numa lista oficial cujos contornos são sobretudo diplomáticos.

Para rever a lista, o executivo de Costa levará em conta as decisões mais recentes da União Europeia, que está a fazer uma avaliação permanente dos paraísos fiscais.

O Uruguai, por exemplo, está na lista cinzenta da União Europeia. É um dos casos que parece encaixar no perfil da lista secundária de Lisboa, porque o país tem regras de tributação especiais, mas elas não se aplicam a todo o território (tem 12 zonas francas com benefícios fiscais às empresas lá instaladas, incluindo a isenção de IRC). Não se sabe, no entanto, se é isso que acontecerá com o Uruguai.

De resto, quando partilhou o estudo do fisco com os grupos parlamentares, o Governo pediu reserva sobre a informação até haver uma decisão oficial sobre quais são os territórios que entram e saem.

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