Rir, chorar, fantasiar: André Rieu junta os “órfãos” da música clássica

É algo inédito em Portugal e no mundo. André Rieu é o maestro de um espectáculo de música clássica que atrai mais pessoas do que Roberto Carlos ou Madonna. Em Março, vai instalar-se no Pavilhão Atlântico, onde foi esgotando sucessivamente sete noites de espectáculos. Afinal, o que é que André Rieu tem?

Nos concertos de André Rieu há muitas lágrimas. Pelo menos é isso que uma pesquisa pelos vídeos publicados nas redes sociais mostram. Em 2010, num concerto em Maastricht, o maestro e violinista holandês anuncia Ave Maria, de Schubert, e logo os rostos se contorcem. As notas saem do violino e os olhos dos espectadores ficam vermelhos e brilhantes.

A cena repete-se com outras músicas, noutros cenários. Em Veneza, em 2014, Rieu é acompanhado pela jovem Amira Willighagen, que, com apenas dez anos, interpreta a Lauretta da ópera O Mio Babbino Caro, de Puccini. A voz de menina não trai a pequena solista, e logo se vêem mãos que esfregam os olhos como se tivessem sido picados.

Os espectáculos de André Rieu são do “outro mundo”, “um mundo de fantasia”, garante Jorge Cavalheiro, guarda-nocturno com 57 anos de idade e fã do maestro há cinco ou seis anos – desde que viu um DVD dele a passar numa loja. “Pus os auscultadores e gostei”, recorda. “Eu não gostava de música clássica, mas desta gosto...”

Trouxe o disco e entretanto juntou outros à colecção. Com a ajuda da Internet, foi acompanhando as digressões do músico, sempre à distância. No Natal de 2016, teve uma surpresa: dois bilhetes para ver André Rieu em Paris. Foi “espectacular, não tem nada a ver com os filmes”.

Jorge Cavalheiro não fala de lágrimas, mas de emoções à flor da pele. “Fui passado um ano da morte do meu pai e esqueci-me de tudo. Vi o espectáculo com uma paz de espírito... Não nos lembramos do que se passa cá fora. Levantei-me, dancei, brinquei.”

Não é só de música clássica que se fazem estes espectáculos que conquistam público em todo o mundo, mais de 600 mil espectadores por ano, de acordo com a organização. Há também lugar para canções da música pop ou do cinema que se tornaram populares, como Supercalifragilisticexpialidocious, cantado pela primeira vez por Julie Andrews no papel de Mary Poppins no filme de 1964. Aqui, em vez de lágrimas, soltam-se sorrisos. As canções são escolhidas para não deixar ninguém indiferente.

“É isso que fazemos nos nossos concertos. Nós criamos um ambiente onde é fácil abrir o coração”, explica André Rieu ao PÚBLICO numa passagem por Lisboa em Fevereiro. “Na música clássica, as pessoas estão demasiado tensas. [Nos concertos de música clássica] não há piadas ou brincadeira, e eu não sei porquê. Mozart era um rapaz fantástico, e estava sempre a rir-se e a contar piadas. E agora todos tocam Mozart com uma cara como se já estivessem mortos. Não percebo...”

A capacidade de pegar em música erudita e tocá-la num espectáculo para o grande público é elogiada pelo compositor Alexandre Delgado. “Tem uma capacidade espantosa de criar empatia e de atrair as pessoas para aquilo que a música clássica pode ter de mais apelativo, e nisso cumpre uma missão muito útil à sociedade.”

Escrita originalmente a pensar nos espectáculos de massas, a música clássica foi perdendo espaço público e acabou por se fechar num “clube minúsculo, muito mais elitista do que alguma vez foi”.

A Flauta Mágica foi um hit absoluto” oferecido por Mozart no final da sua vida. Uma música que toca “as dimensões mais elevadas e profundas do ser humano, duma forma capaz de tocar qualquer pessoa, e isso faz muita falta”, lamenta.

Alexandre Delgado vê em Rieu o preenchimento de um vazio: “A música clássica dá qualquer coisa de fundamental às pessoas, e isso perdeu-se. Elas estão órfãs deste tipo de espectáculos como o do André Rieu”, argumenta.

O maestro e violinista holandês apresenta-se no Altice Arena com a sua Johan Strauss Orchestra a 13 de Março e vai tocar para mais de 80 mil pessoas durante os sete espectáculos – esgotados – até ao dia 31. Foi anunciado, entretanto, um regresso em Novembro, para já com dois espectáculos marcados, mas se se repetir o sucesso de Março, este número pode aumentar.