Em Saúde, quando fazer mais pode ser demais

Estas recomendações, redigidas em primeira instância para médicos, foram pensadas com o objectivo de serem de fácil leitura e compreensão por toda a população.

Os médicos são treinados para dar respostas concretas, para não cessarem esforços até descobrirem a causa última do que faz um doente ficar doente. São compelidos pela leges artis a utilizar todas as ferramentas tecnológicas ao seu dispor (leia-se, meios complementares de diagnóstico) até que um valor analítico de uma comum colheita de sangue, uma biópsia, ou outro exame de diagnóstico permita confirmar ou excluir a doença.

Este modus operandi acompanhou o desenvolvimento da Medicina moderna e permaneceu relativamente inquestionável até à década de 1990. Por esta altura, a comunidade médica começou a questionar-se: será que erramos por actuar em demasia? O que acontece quando pedimos exames e temos resultados (achados diagnósticos) que não esperávamos? E quando um exame nos fornece um diagnóstico que mais tarde se revela falso, um falso positivo?

Este problema, designado em jargão médico por sobrediagnóstico, deriva em parte da nossa dificuldade em avaliarmos o risco e o benefício de um procedimento utilizando a mesma janela temporal: em geral, o benefício de um procedimento é imediato (confirmamos ou excluímos um diagnóstico, actuamos para curar uma doença ou diminuir o seu ónus); já o risco pode ser evidente apenas passados vários dias, meses ou anos (um falso positivo que leva a exames mais invasivos, internamento hospitalar, cirurgias desnecessárias...). O mesmo se passa com o sobretratamento, sempre que intervimos em demasia (por exemplo, quando optamos por medicar pequenas alterações de parâmetros analíticos que não teriam implicações sobre o prognóstico vital do doente).

A outra face do problema deriva da expectativa do doente perante a actuação médica e da dificuldade, enquanto sociedade, em aumentarmos a literacia em saúde. Tomemos como exemplo 2013, ano em que um inquérito a 1000 portugueses concluiu que cerca de 99% dos inquiridos considerava benéfico realizar um checkup anual e que 70% julgava vantajoso realizar radiografias de tórax de 15 em 15 meses (Martins C. et al., 2013). Estes dados contrastam com a evidência científica actualmente disponível, inequívoca sobre o potencial dano destas “rotinas”.

Foi com base nesta premissa que surgiu nos Estados Unidos da América, em 2012, o programa Choosing Wisely, pela mão do American Board of Internal Medicine, programa este que foi posteriormente adaptado e implementado em mais de 20 países, incluindo Austrália, Canadá, Dinamarca, Holanda, Itália, Japão, Nova Zelândia, Reino Unido e Suíça.

Este programa global de educação para a saúde tem como principal objetivo promover escolhas em saúde baseadas na melhor evidência científica disponível, com vista a reduzir o número de intervenções sem eficácia comprovada e/ou com uma relação risco-benefício desfavorável. Um exemplo deste problema pode ser encontrado na chamada “medicina defensiva”, em que são requisitados por exemplo testes com fraca indicação clínica, destinados a proteger de problemas legais quem os prescreve, se algo correr menos bem. Resultado do aumento da pressão sobre os sistemas de saúde e dos conflitos e processos daí resultantes.

No nosso país, o programa Choosing Wisely Portugal – Escolhas Criteriosas em Saúde nasceu em Setembro de 2018, fruto de uma iniciativa da Ordem dos Médicos. Desde o seu lançamento, foram já emitidas mais de 100 recomendações clínicas de mais de 20 especialidades médicas, baseadas na melhor evidência científica disponível, elaboradas por equipas de peritos médicos nacionais na respectiva área, sob chancela do respectivo Colégio da Especialidade.

Estas recomendações, redigidas em primeira instância para médicos, foram pensadas com o objectivo de serem de fácil leitura e compreensão por toda a população e encontram-se disponíveis para consulta pública no site do programa (https://ordemdosmedicos.pt/choosing-wisely-portugal-escolhas-criteriosas-em-saude/).

Todo este esforço, contudo, é infrutífero se a informação não chegar a quem mais nos interessa, à população que servimos. Por isso manteremos a divulgação deste projecto por todos os cidadãos. Representantes da Ordem dos Médicos no Programa Choosing Wisely Portugal​

Os autores escrevem segundo o novo Acordo Ortográfico

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