Protestos levaram Bouteflika a desistir de um quinto mandato

Presidente argelino adia eleições. Diz que a sua última missão é fundar uma nova República e anuncia assembleia para fazer uma nova Constituição, que será sujeita a referendo.

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Manifestações em Argel Zohra Bensemra/REUTERS
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MOHAMED MESSARA/EPA

O Presidente argelino, Abdelaziz Bouteflika, desistiu de se candidatar a um quinto mandato, que estava a suscitar forte oposição em vários sectores da sociedade, após três semanas de enormes protestos nas ruas contra a sua candidatura.

Por carta, Bouteflika, no poder desde 1999, e que há seis anos não fala em público, anunciou o adiamento das eleições que estavam previstas para 18 de Abril e disse que não as iria disputar. Dizendo seguir as manifestações, que chegaram à terceira semana sem dar sinais de desmobilizar, o Presidente afirmou ainda que compreendia a motivação dos protestos, especialmente dos jovens. 

A decisão é anunciada depois de, na sequência dos protestos, o Presidente somar perdas de apoio sucessivas de sectores que tradicionalmente o apoiavam. Na carta, Bouteflika disse que nunca esteve em cima da mesa um quinto mandato: “A minha idade e o meu estado de saúde fazem com que o meu último dever para com o povo argelino seja criar a base de uma nova República”. 

A candidatura tinha sido entregue na comissão eleitoral, no último dia do prazo, pelo seu chefe de campanha. O facto de ser Bouteflika o candidato do regime deve-se, explicam analistas, ao facto de as várias facções que detém o poder no país (políticos, burocratas, empresários e exército) não terem conseguido chegar a acordo para um nome que conseguisse o apoio, ou seja, que assegurasse os interesses de todos.

Na carta, Bouteflika diz que irá, primeiro, levar a cabo “alterações importantes” no Governo. Pouco depois, era anunciada a demissão do primeiro-ministro, Ahmed Ouyahia, e a sua substituição por Noureddine Bedoui, que era ministro do Interior. 

Mas mais importante é a nomeação de uma “conferência nacional inclusiva”, que será “equitativamente representativa de sociedade argelina, assim como das sensibilidades que a compõem”, declarou na carta, reproduzida pelo diário Al-Watan. A comissão irá ter uma direcção plural e uma presidência “que será uma personalidade nacional independente, consensual e experiente”. 

Esta assembleia deverá elaborar uma nova Constituição, e será submetida depois a referendo popular, explica ainda a carta de Bouteflika.

Este “autêntico terramoto em 30 minutos”, como descreveu Joyce Karam, jornalista e professora na Universidade George Washington, segue-se a um ambiente febril de especulação sobre a saúde de Bouteflika, que levou um embaixador a assegurar, há dias, que ele estava vivo e, por outro lado, a um dos principais jornais questionar na sua edição electrónica, em manchete, se o Presidente teria morrido.

Esta segunda-feira, mais dois sectores tinham vindo a público distanciar-se do Presidente: mais de mil juízes declararam que não supervisionariam a eleição se Bouteflika concorresse. 

E enquanto isso, líderes religiosos denunciaram entretanto publicamente as pressões que têm sofrido do Ministério da Justiça para que defendam a posição do Governo. “Deixem-nos fazer o nosso trabalho, não interfiram”, disse claramente o imã Djamel Ghoul, citado pela Reuters.

Trabalhadores ferroviários e estudantes também estiveram em greve desde domingo e a maior parte da rede ferroviária da capital, Argel, paralisada. A maioria das escolas do país estão fechadas, segundo relatos da agência francesa AFP.

O maior sindicato do país, a União Geral dos Trabalhadores Argelinos, muito próximo de Bouteflika e que vinha a defender a sua candidatura, viu protestos dos seus próprios membros a pedir que mudasse de posição. Esta segunda-feira, disse que “é preciso mudança”, embora sublinhando que “de forma pacífica”.

Bouteflika tinha regressado à Argélia vindo de Genebra no domingo, onde foi submetido a tratamentos no hospital universitário da cidade suíça.

Depois de ter sofrido um Acidente Vascular Cerebral (AVC) em 2012 tem aparecido em público muito poucas vezes, e nunca fala. Segundo relatos do jornal Tribune de Genève, o Presidente sofre de afasia, o que quer dizer que não consegue falar, mas aparenta compreender o que lhe é dito.

Nos últimos anos, as autoridades têm compensado a falta de presença física do Presidente com imagens em quase todas as cerimónias, o que valeu a Bouteflika o título de “Presidente numa moldura” dado pelos manifestantes.

Estas manifestações contra um quinto mandato de Bouteflika surpreenderam todos, já que os argelinos, sobretudo pelo medo da instabilidade provocado pelos anos de guerra civil nos anos 1990, raramente consideravam protestar.

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