No último dia, a ModaLisboa deu lugar ao manifesto criativo

No último dia da 52.ª edição em Lisboa desfilaram as colecções de Nuno Gama, Gonçalo Peixoto, Olga Noronha e Dino Alves, entre outros criadores.

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Na fotogaleria pode ver alguns destaques do dia Ugo Camera
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Nuno Gama Ugo Camera
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Andrew Coimbra Ugo Camera
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Gonçalo Peixoto Ugo Camera
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Gonçalo Peixoto Ugo Camera
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Olga Noronha Ugo Camera
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Nycole Ugo Camera
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Ricardo Andrez Ugo Camera
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Aleksandar Protic Ugo Camera
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Dino Alves Ugo Camera
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Dino Alves Ugo Camera
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Dino Alves Ugo Camera

Tantas voltas deram os manequins de Ricardo Andrez que, a certo ponto, faziam a cabeça de quem assistia andar à roda. Em vez de entrarem e saírem, iam ficando na passerelle. Um pouco como os stocks de tecidos caídos em desuso nas fábricas que o criador usou como ponto de partida para a sua colecção, apoiada na ideia da sustentabilidade na indústria da moda. 

Se no sábado a passerelle da ModaLisboa revelou uma miríade de correntes artísticas, domingo foi um dia mais dado a manifestos. “É inacreditável que haja milhares e milhares de metros [de tecido] à nossa espera”, aponta Ricardo Andrez, lamentando a quantidade de excedentes produzidos pela indústria. Antes de pensar em conceitos, fez-se à estrada para visitar as fábricas. Depois, deixou que os tecidos disponíveis ditassem o seu rumo — no fundo, fez dos trapos colecção.

Acabou por manipular bastante os materiais, criando por exemplo um estampado reminiscente dos símbolos da bolsa de valores, com números a subir e descer. Foi aliás da mudança permanente dos números que partiu a ideia para a coreografia do desfile. 

Da pele nascem flores

Pode confiar-se em Olga Noronha para trazer um elemento de surpresa para a passerelle. Em vez das “esculturas usáveis” rígidas que tem vindo a apresentar nas últimas edições, desta vez, decidiu trabalhar formas orgânicas — no sentido literal. “Não sabia o que havia de fazer. Já não tinha materiais para explorar que fossem novos”, admite. “Até que me veio a ideia de trabalhar ondas magnéticas e electromagnéticas.” Por isso, criou quatro vestidos de pele de animal com curtume natural, “morenado ao sol”. 

Vamos por partes. Entre as camadas de pele, as peças tinham circuitos magnéticos, que escondiam traços de flores. Para lhes dar a sua forma final, Olga Noronha pediu ajuda ao bailarino Rui Marques, que conhece desde a infância. Este começou por dançar no meio da passerelle, enquanto as manequins faziam a sua entrada, posicionando-se, cada uma, ao lado de uma taça. Depois, atirou-lhes pó para cima. A reacção das ondas magnéticas foi revelando os designs de cada peça.

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As peças de Olga Noronha transformaram-se na "passerelle" Ugo Camera

“São todas flores com mensagem subliminar fálica e indiciam um pénis ou uma vulva”, explica a criadora. O lançamento das cinzas era como o “brotar da flor, o renascer das cinzas”, “o desvendar do ego físico e emocional, num corpo que não cabe necessariamente na sua própria pele”, continua, apontando para o tema da identidade de género.

Há algum tempo que Olga Noronha queria incluir a dança numa apresentação, mas não queria que fosse apenas uma “questão cénica”. “Queria colocar dança como elemento central, que alimentaria o trabalho e que transforma”, conta.

Do sofá para o século XXI

Há pouco na mistura de látex estampado, tules e folhos, em tons néon, que nos remeta para álbuns de família antigos. Mas foi isso que Gonçalo Peixoto trouxe para a passerelle, concretizando o complicado desafio de transformar materiais que por vezes aproximam-se da fronteira do “foleiro” — palavra emprestada do próprio criador —, num conjunto de peças divertidas e sofisticadas. “Tenho uma panóplia que me leva do sofá da minha avó até ao que eu sou no século XXI”, resume o criador.

Com esta colecção, conta a história das mulheres que passaram pela vida da sua mãe: “Com os anos 1980 vemos a loucura, os ombros XXL, as silhuetas mais ajustadas à cinta, os tecidos brilhantes; depois passamos para uma era um bocadinho mais clássica, onde entram os fatos, o tweed e veludos, todos com capuz. Aí corto com a minha pop culture, o meu punho de cor e século XXI.”

Nuno Gama parece decidido a colocar o público num papel mais activo enquanto espectador. Na temporada passada, dispersou umas dezenas de homens-estátuas vestidos com a colecção de Primavera/Verão pelas salas do último piso do Museu Nacional de Arte Antiga (MNAA) e , desta vez, colocou os manequins em vários pontos da sala de desfiles — inclusive nos bancos onde os convidados normalmente estão sentados.

“A intenção é integrar as pessoas nas coisas. Trazer as pessoas para a proximidade do nosso trabalho. [Dizer] ‘venham cá tocar, ver os tecidos’”, explica o criador. Num piano de cauda, posicionado num dos cantos da sala, o pianista e compositor Hélder Bruno fez a antestreia do seu novo disco. Quanto à colecção, apresentava uma visão moderna do vestuário dos anos 1930, com “o pintas” de boina e “casacos mochila” simbólicos daquilo que hoje em dia carregamos às costas.

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O dia terminou com um protesto de Dino Alves. Ugo Camera

Durante o último dia de desfiles, apresentaram também as suas colecções Andrew Coimbra, Aleksandar Protic e Nycole — que partiu da ideia de um regresso aos tempos de maior interacção humana, além das redes sociais, para uma colecção inspirada no futebol, o desporto para o qual “toda a gente pára tudo”. Ausentes da 52.ª edição estiveram Patrick de Pádua e Filípe Faísca — que já no passado falhou uma temporada.

Coube a Dino Alves dar a palavra final, já pela noite dentro. “My life, my rules”, “say no to beauty tyrants”, “wear clothes that matter”, lia-se nos acessórios. No fim do desfile armou um protesto na passerelle, com direito a cartazes, bandeiras e fumo. “A reacção que defendo aqui é a que usa a expressão artística, a criatividade, o pensamento e que transforma a nossa imagem e o nosso estilo numa espécie de panfleto ideológico”, defende o criador no descritivo da colecção. Esta é, assim, uma reacção ao preconceito, à destruição do planeta, à desigualdade social, à liberdade de expressão, à “doentia ditadura da beleza”, à injustiça e à “desumanização das relações”. “É um manifesto à má índole”, resume.

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