Cracóvia, a cidade-postal que é uma improbabilidade histórica

Resistiu a incontáveis invasões, sobreviveu à ocupação nazi e chegou até nós cheia de lendas para contar (como a do dragão: é portista ou benfiquista, depende da perspectiva). Já foi a capital, hoje é a cidade mais visitada na Polónia – e a porta de entrada para Auschwitz. Sim, Cracóvia não é só um conto de fadas.

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A cidade velha é o epicentro do turismo em Cracóvia Kacper Pempel /Reuters
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Vista da cidade velha Kacper Pempel /Reuters

Um sábado de manhã, uma esplanada na Rynek Główny. Atrevemo-nos a dizer que não há melhor ponto de observação para Cracóvia: estamos então na Praça Central, coração da stare miasto, a “cidade velha” – estamos no epicentro do turismo e da vida quotidiana da cidade. Sim, em Cracóvia o dia-a-dia passa pela cidade velha que continua tão vital como nos seus tempos áureos: o comércio, serviços públicos, restaurantes, cafés, bares, igrejas (são tantas que chegaram a chamar-lhe a Roma do Norte). Então, todos os caminhos vão dar, ou passam pelo menos, por este quadrilátero a desenhar a maior praça medieval da Europa, que sabe aproveitar esse cartão-de-visita: as caleches alinham-se à espera de clientes, no ar vêem-se placas coloridas dos guias turísticos (e de “passeios grátis”), há floristas em abundância e artistas também.

Já estamos familiarizados com o sobressalto que chega sempre à hora marcada, que é a hora certa: no topo da mais alta das duas torres góticas da igreja de Santa Maria, o “trompetista de Cracóvia” faz soar o hejnal (uma espécie de “toque de alvorada”). O ritual é repetido em cada um dos quatro pontos cardeais – a última nota termina abruptamente, tal como aconteceu em 1241 quando o trompetista avisava a cidade do ataque dos mongóis e foi interrompido por uma flecha que lhe atravessou o pescoço. É, pelo menos, o que conta a lenda e em Cracóvia as lendas não se questionam, perpetuam-se: afinal, esta é a cidade que nasceu da derrota de um dragão, onde viveu uma rainha santa – tudo isto sobre uma das sete pedras chakras do mundo (o que faz da cidade um centro de energia espiritual). Com uma guia que conhece bem Portugal,  as comparações: a rainha santa polaca “não fez nenhum milagre das rosas” e o dragão “é o souvenir preferido das crianças e dos adeptos do Futebol Clube do Porto”, brinca Monika Krzynówek, “embora não seja azul”. Ainda que, acrescenta, também se diga que “o sapateiro [já lá iremos] foi o primeiro benfiquista, matou o dragão”.

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Basílica de Santa Maria Fabrizio Bensch/Reuters

Então, cá estamos nós, em raro momento de tranquilidade, nas últimas horas de uma visita (demasiado) apressada, na primeira fila da plateia para o teatro real (o do quotidiano e o da cidade que foi de reis) que é Cracóvia. É também um “milagre”, ou uma improbabilidade histórica – resistiu a séculos tumultuosos, sobreviveu à ocupação alemã que deixou as principais cidades polacas em ruínas. Diz-se que foi porque os alemães, que estabeleceram aqui a sede do seu Governo Geral (e este ano assinalam-se os 80 anos da invasão da Polónia e do início da II Guerra Mundial), tinham uma predilecção por Cracóvia, que viam muito semelhante às suas cidades do Norte. Também se diz que tantos santos a protegeram (sentimos a protecção diante da Igreja de São Pedro e São Paulo: estátuas em tamanho “real” dos 12 apóstolos). Não sabemos o que foi, mas a Cracóvia, ou melhor, o centro de Cracóvia, que chegou até nós é um perfeito postal turístico – ainda que nem tudo luza.

Cidade velha

Não foi só o hejnal que as invasões mongóis deixaram para trás. Por elas, Cracóvia foi obrigada a reconstruir-se e redesenhar-se com o traçado que chegou até hoje – menos as muralhas, substituídas por um anel verde, o parque Planty, no século XIX. Não foram destruídas num conflito, mas numa ocupação, a do império austro-húngaro, que promoveu a modernização da cidade depois de séculos de olvido na sequência da transferência da capital para Varsóvia (1596) – e criou encontros inusitados, como vitrais Arte Nova em edifícios góticos. Vê-los-emos, por exemplo, na Igreja de São Francisco, provavelmente a mais colorida da cidade, com cenas da natureza a iluminarem o templo do século XIII. Veremos outros, rejeitados para a catedral, recuperados num “dos raríssimos” edifícios modernos da stare miasto, o Pavilhão Wyspianski que é como uma peça de lego colocada numa praça: estreito, comprido, alto, tinha tudo para não ser bem-recebido, mas o revestimento a telhas tê-lo-á redimido, harmonizando-se com o tijolo vermelho tão presente no centro histórico.

Vêmo-lo abundante nos vários edifícios da Universidade Jaguelónica, a mais antiga da Polónia, uma das mais antigas da Europa (e com estudantes famosos como Copérnico ou Karol Wojtyla, o arcebispo de Cracóvia que foi o Papa João Paulo II). E esta é apenas uma das universidades a emprestar 200 mil estudantes à cidade – que não passa incólume a tanta juventude: os bares abundam, entre eles alguns que são herança comunista, como os Pijalnia Wódki I Piwa (“bar de vodka e cerveja”), que voltaram a ser populares. Na Rua Św. Tomasza, a antítese dos bares modernos: não há música, não há cocktails; há conversa, cerveja, shots de vodka e petiscos polacos – pepinos, bife tártaro com pão, mãos de porco, arenque, borscht... – a preços baixos.

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Vista para a colina de Wawel Kacper Pempel /Reuters

A verdade é que a noite (aventuras noctívagas à parte) fica bem a Cracóvia, um traje de luzes amarelas e penumbras que parece evidenciar os mistérios que lhe adivinhamos durante o dia. Como na Rua Kanonicza, já quase aos pés da colina de Wawel, fachadas renascentistas, ora severas de pedra, ora indulgentes na sua paleta de cores pastel e murais elegantes, ora imponentes, ora pitorescas – pode bem ser um paradigma da cidade velha, uma cidade sem idade, como um mito.

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A lua sobre o castelo Wawel REUTERS/Kacper Pempel

E cá estamos na Rynek Glówy, a Praça Central, com o seu ecossistema saturado, perfil de conto de fadas e epicentro no Hall dos Tecidos, uma herança medieval que chegou até hoje com feições renascentistas, tendo trocado os têxteis pelo artesanato (e muitos souvenirs). Medieval é também a Igreja de Santa Maria, onde obras nos impedem de apreciar a obra-prima que alberga, o retábulo-mor gótico (não sobreviveu à pilhagem nazi, mas foi recuperado depois da guerra), e a pequena Igreja de São Adalberto, que, isolada na esplanada, parece um destroço da história. Bem moderno é o Eros Bendato, do escultor polaco Igor Mitaraj: é conhecida como “a cabeça” e se no início não agradou, agora é ponto de encontro junto à torre que é o único vestígio da antiga câmara municipal.

Diversão com a Basílica ao fundo Peter Andrews/Reuters
Brincadeira de crianças com a Coluna de Sigismundo ao fundo Peter Andrews/Reuters
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Diversão com a Basílica ao fundo Peter Andrews/Reuters

Colina de Wawel                                                   

É num dos topos da cidade velha, mais exactamente na ponta da lágrima invertida que esta parece desenhar nos mapas, que se encontra a colina de Wawel, provavelmente o conjunto mais emblemático da Polónia. É território “sagrado”, onde, durante séculos, os mesmos de Cracóvia-capital, se reuniam os poderes terrenos e divinos: castelo e catedral.

A catedral é considerada o mais importante edifício da Polónia – aqui foram coroados (e sepultados) quase todos os seus monarcas. É, portanto, uma espécie de concentrado da história polaca, europeia e até mundial: desde a “rainha santa”, Jadwiga, que herdou o trono aos 10 anos, a João Paulo II que a canonizou (e aqui tem uma capela), passando pelo “D. Sebastião polaco”, o rei Ladislau que desapareceu na Bulgária, em combate contra os otomanos, cujo corpo não foi encontrado, e por João III Sobieski, o líder do exército europeu que venceu os otomanos em Viena. É, também, um tratado de arte medieval, renascentista e barroca, na sua nave principal e nas suas capelas (18), cada qual mais ostensiva – e novamente o encontro com vitrais (e murais) arte nova.

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O sino Sigismundo Paulo Pimenta

Ainda subimos as escadas de madeira empinadas até ao “Sigismundo”, o sino de quase 13 toneladas que, rezam as crónicas, pode ser ouvido a 30 quilómetros de distância e concede um único desejo: o casamento; também descemos às criptas, heróis e realeza em repouso eterno. Mas é cá fora que ouvimos a história de Krak, o sapateiro que, com uma ovelha cheia de enxofre, derrotou um dragão, casou com a princesa, tornou-se rei e ergueu o castelo de Wawel. O “covil” do dragão (uma gruta com vários milhões de anos) pode ser visitado e o próprio dragão pode ser visto nas margens do Vístula.

A residência real é um castelo-palácio de casca “bruta” e interior renascentista. Ficamo-nos pelo pátio, alvo e elegante nas suas arcadas em vários níveis: um capricho real, que, indiferente à exiguidade topográfica, quis um espaço enorme, de proporções perfeitas – criou-se, então, uma fachada que é apenas muro. É aqui que está um dos chakras do mundo: não o vemos, mas, pelo sim, pelo não, cumprimos a tradição e tocamos na parede para recarregar energias.

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Um "postal" ao pôr do sol na cidade velha REUTERS/Kacper Pempel

Kazimierz

Não nos afastamos muito da cidade velha e prosseguimos, aliás, em território património mundial da UNESCO (desde a primeira lista, em 1978) no bairro de Kazimierz. Agora é conhecido como o bairro judeu, mas foi exemplo da (boa) convivência entre cristãos e judeus. Dizem que não há na Europa outro local que melhor preserve a atmosfera judaica dos tempos pré-II Guerra Mundial: na Rua Szeroka, que mais parece uma praça, anoitece como numa fotografia a sépia – as luzes amarelas, o empedrado gasto, as esplanadas, as fachadas coloridas parecem ecoar fantasmas do passado. Mas isto é porque a noite ainda não se instalou no que é um dos bairros mais boémios de Cracóvia (“o Bairro Alto daqui”, compara Monika), com bares militantemente originais e restaurantes orgulhosamente judaicos (e como casas antigas, panos de renda, fotos de família em várias salas).

Estamos à vista das duas mais importantes sinagogas (sete, três das quais em funcionamento), a Velha e a (pequena) Remuh e de uma lenda sangrenta: num pequeno rectângulo arborizado diz-se que se realizou um casamento judeu numa sexta-feira e a festa fez esquecer o sabbath (que começa ao anoitecer) –  o rabi, irado, terá amaldiçoado os noivos e os convidados, que morreram ali. Oficialmente, porém, este é um memorial “ao martírio de 65 mil judeus polacos de Cracóvia”. Escutamos a história enquanto ouvimos música klezmer (música tradicional dos judeus da Europa central e oriental) que sai de vários locais. Vemos livrarias, fachadas antigas pintadas ou cobertas de heras, pátios jardinados, o Hotel Rubinstein (ao lado da casa onde nasceu Helena Rubinstein, que haveria de revolucionar o mundo dos cosméticos) e o Hotel Klezmer Hois (antigo mikvah, banhos rituais judeus).

Se hoje chegamos a Kazimierz e o vemos vital é porque vive uma renascença. Depois da expulsão dos judeus (para o gueto), a zona entrou em decadência, de que começou a recuperar no final dos anos 1980. Primeiro, com o Festival da Cultura Judaica, organizado anualmente em Junho e um dos mais importantes do mundo, depois com Steven Spielberg e A Lista de Schindler, em parte filmado aqui.

No bairro judeu Paulo Pimenta
No bairro judeu Paulo Pimenta
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No bairro judeu Paulo Pimenta

Podgórze

Há um vazio incomensurável que invade o espaço onde se espalham algumas cadeiras. Tempos houve em que eram também armários, sofás, espelhos, livros, tudo o que os judeus podiam transportar – atravessámos o Vístula para o bairro Podgórze e esta é a Praça dos Heróis do Gueto, outrora a porta de entrada deste (chegou a albergar 18 mil pessoas, até à sua liquidação em 1943: os habitantes foram abatidos à vista ou enviados para campos de concentração). Por agora ficamos a saber a história da Farmácia da Águia (Pod Orlem, entretanto feita museu), cujo proprietário foi, “talvez”, o único não judeu a permanecer no o gueto. Roman Polanski dedicar-lhe-ia o óscar pelo filme O Pianista – o realizador sobreviveu ao gueto: “De repente, senti-me emparedado”, leremos num pedaço de papel amarelado na Fábrica de Schindler.

O carácter industrial da zona acentua-se e nem parece que estamos num dos locais mais turísticos da cidade até vislumbrarmos uma multidão diante da fachada da fábrica – ao lado, o MOCAK, centro de arte contemporânea e feições industriais (com a reflexão sobre o Holocausto como epicentro da sua programação), passa quase despercebido. Oskar Schindler era quase desconhecido na Polónia até Spielberg recuperar a sua história e agora a sua antiga fábrica é um museu onde se conta a vida dos judeus de Cracóvia durante a II Guerra Mundial. Embora se comece no antes, no “último Verão feliz”, o de 1939, e o regresso das férias para o terror. A 1 de Setembro começa a guerra, Cracóvia é tomada a 6 e a 11 é instaurada a Nova Ordem dos alemães. Começa a germanização de Cracóvia: os professores da universidade são presos e deportados, o governador geral instala-se no castelo de Wawel, constroem-se bairros para acomodar alemães; começa a vida polaca clandestina, de resistência, “não só sabotagem, também ensino, cultura”. “A Polónia era território para colonizar”, lembra Monika, “os polacos eram para escravizar”.

É esta a história que aqui se conta, numa exposição informativa e interactiva, sóbria e comovente. “Andamos” num eléctrico, entramos numa casa do gueto, vemos fotos, filmes (“os alemães documentavam tudo”) e objectos (entre estes, uma macabra caixa de cigarros feita com pele humana). Pelo meio, conhecemos um pouco de Schindler e da sua fábrica de panelas que salvaram milhares de judeus; terminamos numa sala cheia de luz, animada por música klezmer e com declarações em várias línguas sobre Schindler. Num livro branco, regista-se o amor, no negro o desprezo: o avô de Monika sobreviveu à guerra. “Dizia que tudo é história.”

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Auschwitz REUTERS/Kacper Pempel

Auschwitz-Birkenau

Tudo pode ser história, mas, como leremos numa parede em Auschwitz, “aquele que não lembra a história está condenado a vivê-la novamente” (George Santayana). É assim que fazemos a viagem, pouco mais de uma hora, entre a banalidade, por vezes bucólica, da paisagem, e o desconcerto da realidade e da memória histórica. Não se vai ao (agora) Museu de Auschwitz-Birkenau impunemente: é o espelho onde a humanidade vai confrontar a sua desumanidade.

Um estacionamento gigante, um mar de gente à espera de entrar num dos capítulos mais negros (e mais documentados – nem todos os genocídios têm um Auschwitz) da história. É possível visitar o museu de forma independente (entradas limitadas); a maioria segue em visitas guiadas – o guia, chamado “educador”, voz baixa, pausada, numa espécie de litania do horror descrevendo a “vida” no campo, que nos chega por auriculares. É quase uma linha de montagem turística: garante-se que apenas um grupo está em cada sala expositiva, subimos e descemos escadas desencontrados (e cabisbaixos). Não foi sempre assim, explicam-nos, mas o número de visitantes aumentou tanto que “parecia um parque temático, não havia respeito pelo local”.

A ironia do infame Arbeit macht frei (“o trabalho liberta”) na entrada do campo onde se ensaiou a solução final, o Holocausto, arame farpado, blocos de tijolo vermelho – 30 de pé, 13 abertos. Auschwitz é o campo mais pequeno, contudo é aqui que se mostram os objectos mais tristemente famosos: próteses, malas, óculos, sapatos, roupas de bebé, louça, toneladas de cabelo. Visitamos celas, passamos o muro dos fuzilamentos, a praça dos enforcamentos, o hospital (“a antecâmara do crematório”) – e longos corredores com as fotografias dos prisioneiros ao chegar (alguns esboçando sorrisos postiços que gelam, a maioria inexpressivos), as datas de entrada e da morte: poucos meses, no máximo.

Tudo termina como terminava, do lado de fora do arame farpado, na câmara de gás que se mantém de pé, ligada ao crematório – com vista desde a casa do comandante do campo, Rudolph Hess: a sua mulher descreveria os anos que passou em Auschwitz como os mais felizes da sua vida; ele seria julgado em Nuremberga e enforcado aqui.

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Kacper Pempel /Reuters

Em Birkenau (viagem de poucos minutos) somos esmagados pela vastidão: como a maioria das suas 300 barracas foi destruída, é um campo verde, sem fim, que vemos, passada a icónica fachada por onde entravam os comboios de prisioneiros. Seguimos pela plataforma como os que eram logo seleccionados para a morte – direcção: câmaras de gás. Aqui eram quatro, enormes (duas mil pessoas em cada um), complementadas com crematórios – elevadores uniam-nas numa máquina mortal eficiente: Auschwitz foi o ensaio, “aqui tudo era maior, mais eficaz”. Restam as ruínas, mesmo ao lado de um memorial: em dezenas de línguas, regista-se, “para sempre”, “o grito de desespero” no lugar onde os nazis exterminaram um milhão e meio de pessoas, lemos em ladino, a língua dos judeus sefarditas (os de Portugal e Espanha).

Percorremos o campo das mulheres, entre edifícios conservados e ruínas de tijolo para terminarmos na barraca 25, a única aberta: para aqui vinham as mulheres mais fracas; quando ficasse cheia (700 pessoas, “normalmente em três dias”) eram mortas. A barraca 25 como metonímia: o lugar onde a esperança vinha morrer.

Minas de sal Wieliczka KACPER PEMPEL /REUTERS
Minas de sal Wieliczka KACPER PEMPEL /REUTERS
Minas de sal Wieliczka KACPER PEMPEL /REUTERS
Minas de sal Wieliczka KACPER PEMPEL /REUTERS
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Minas de sal Wieliczka KACPER PEMPEL /REUTERS

Minas de Wieliczka

Há (mais) uma lenda na origem da mina de sal de Wieliczka: a protagonista é uma princesa húngara que, prometida a um príncipe polaco, pede ao pai sal de gema, raro na Polónia (o “ouro branco”), e atira o seu anel ao poço da mina ordenando-lhe que a seguisse até Cracóvia. À chegada, pediu a mineiros que escavassem um buraco: encontraram um pedaço de sal e o seu anel. Kinga, de seu nome, tornou-se padroeira dos mineiros de sal da Polónia e a capela que leva o seu nome na mina de Wieliczka (em funcionamento entre o século XIII e 1996) é não só a maior câmara, como um verdadeiro prodígio do engenho (e arte) humana. Chamam-lhe, aliás, a “catedral subterrânea da Polónia”, pelo tamanho e pela decoração, labor de três mineiros autodidactas ao longo de várias décadas na viragem do século XIX para o XX – todos os domingos há missa, às vezes concertos e casamentos.

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Uma das galerias da mina de sal Kacper Pempel /Reuters

Estamos em território eminentemente salgado – o que vemos às vezes parece madeira, outras, granito, mas é quase sempre sal (pouco cristalino). “Provem”, incita a guia, Madalena Dudek. E o que vemos é grandioso: nos compridos túneis abrem-se várias câmaras (sempre decoradas com esculturas e baixos relevos), algumas com capelas, outras com recriações históricas do trabalho na mina, lagos, incluindo um com “320 quilos de sal por metro cúbico, mais do que o mar Morto”.

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Em funcionamento entre o século XIII e 1996, a mina começou a receber visitas turísticas no início do século XVIII (ainda que o primeiro turista tenha chegado no século XVI – Copérnico). Dos 300 quilómetros escavados em nove níveis (o mais fundo, a 327 metros), apenas estão abertos três quilómetros, divididos entre 22 câmaras e galerias. Há ainda um sanatório (para tratamento de alergias crónicas, por exemplo) a 235 metros de profundidade, um restaurante, um cinema e várias lojas de souvenirs – uma espécie de parque de diversões onde não falta bungee-jumping.

A Fugas viajou a convite do Turismo da Polónia

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