Agricultores reagem: “as vacas não estão num arranha-céus onde se deposita comida"

A CAP pede ao Governo para fazer uma leitura mais séria do contributo que o sector agro-pecuário pode dar no objectivo de conseguir a neutralidade das emissões de carbono em 2050.

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ADRIANO MIRANDA/PUBLICO

A apresentação do roteiro para a Neutralidade Carbónica em 2050 foi um “momento de propaganda política” no qual o ministro abordou a necessidade de reduzir a produção pecuária, mais concretamente a produção de gado bovino, entre 25% a 50%, e foi feita “de forma pouco séria”. Eduardo Oliveira e Sousa, presidente da Confederação dos Agricultores de Portugal (CAP) fez estas declarações ao PÚBLICO já depois de ter entregado o contributo da Confederação no período de discussão pública a que foi sujeita aquela proposta do Ministério do Ambiente e Transição Energética. Nesse documento tentam apontar as várias lacunas que encontraram na proposta e chamam a atenção para os perigos da “leitura simplista do Governo”.

Reconhecendo a importância económica que tem o sector agro-pecuário num país como Portugal, Oliveira e Sousa, não afina pelo discurso de que é preciso manter postos de trabalho, fixar populações, assegurar rendimentos. Tudo isso é verdade, claro, mas o presidente da CAP prefere associar-se às metas apresentadas para Portugal para dizer ao ministro que o sector agro-pecuário não quer ser visto como um problema, mas quer antes ser envolvido como uma parte da solução.

“Não somos contra a evolução do sector. Aliás queremos ser, e somos, parte activa. Recordo que neste momento o sector agro-pecuário é o único sector da economia que já está a fixar carbono. Não é aceitável, por isso, que na proposta do Governo seja feita a desagregação do gado bovino de todo o sector agro-pecuário”, começa por dizer Oliveira e Sousa. E também não é aceitável, continua, que sejam avançadas medidas isoladas e desintegradas a nível europeu que, no limite, poder-se-á estar a transferir para outras geografias do planeta problemas que se vão somar aos que já existem e já têm impactos preocupantes”, afirmou ao PÚBLICO. “Estamos solidários com os objectivos de Paris e queremos estar na frente do Roteiro. Mas isso tem de ser feito de forma séria e integrada. Não é cortar produção em Portugal e na Europa e depois importar carne do Brasil”, apela.

No contributo que a CAP entregou durante a discussão pública, a Confederação faz sobretudo reparos técnicos à proposta: “não previu nem contabilizou as mudanças que já estão a ser introduzidas, por exemplo, na dieta dos animais e que lhes melhora a digestão entérica e diminui a produção de gases”, exemplifica. E não deixou de alertar para “ as evidentes afirmações contraditórias que o documento continha”: “por exemplo, fala-se na transferência da utilização de terras hoje dedicadas à produção de pasto para a produção de cereais, quando a produção de cereais em Portugal é destinada maioritariamente à produção de alimentos para animais”, critica.

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O presidente da CAP recorda que Portugal importa muito mais carne do que aquela que produz, sobretudo de países europeus como a Holanda e a Polónia. Admitindo que vai haver alguma diminuição de consumo, sobretudo nas carnes vermelhas, preocupa-o, sobretudo, que essas mudanças se expressem na diminuição da idade de abate dos animais e que os produtores deixem de passar o seu gado pela fase de acabamento com a introdução de alimentos compostos. “O corte no gado bovino ou é feito no gado que está estabulado ou não tem cabimento. Porque a política agrícola comum, mesmo a que se está a desenhar para o próximo quadro comunitário, promove o tipo de agricultura que é praticado no extensivo. O património genético do nosso gado autóctone não pode ser posto em causa”, frisou.

“Não somos malfeitores”

De acordo do Eduardo Oliveira e Sousa cerca de metade do efectivo nacional corresponde à produção de gado leiteiro e é neste sector que há maior estabulação e produção mais intensiva. Fernando Cardoso, presidente da Federação Nacional das Cooperativas de Produtores de Leite (FENALAC) recusa que o gado leiteiro seja considerado o “bandido” desta equação, e diz que a indústria de produção de leite não só partilha das preocupações de redução do impacto ambiental do sector, como tem sido parte activa na procura de soluções para esse problema. “Nós temos feito investimentos sérios para reduzir esses impactos. E temo-los feito com apoios públicos, o que é mais estranho. Por um lado temos uns senhores [no Ministério da Agricultura] a dizer que nos vão apoiar com fundos públicos e comunitários, e depois vemos outra tutela a dizer que afinal não se faz é nada, que somos um grupo de poluidores, de malfeitores e é preciso acabar com eles. Não faz sentido”, contesta Fernando Cardoso

Para o representante dos produtores de leite falar da produção de metano e do consumo de recursos ambientais “é ver apenas uma parte do problema”. “As vacas não estão num arranha-céus onde se deposita comida. Elas estão no meio natural, onde há produção agrícola. Há um efeito negativo que é preciso quantificar, mas é preciso descontar o efeito positivo, e somar ainda o esforço que está a ser feito, e que vai continuar a ser feito, para reduzir esse efeito negativo”, contesta.

Em grandes números, o sector leiteiro tem menos de cinco mil explorações. “E quando falamos de cinco mil produtores estamos a falar de cinco mil famílias, porque se trata, sobretudo, de um negócio familiar”, explica, acrescentando que entre postos de trabalho directos e indirectos se estará a falar de 50 mil postos de trabalho. “O mercado dos produtos lácteos com produção nacional, importação, valerá mais de dois mil milhões de euros. A produção nacional vale 700 milhões. É uma área económica legítima e legal. Não é um lobby".

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