Definem-se como “os mais precários” dos professores e dizem que estão a ser “lesados” há anos

Nova petição foi entregue nesta sexta-feira no Parlamento. Em causa está o modo como os contratos em horários incompletos são encarados para efeitos de descontos, levando a que “vinte anos de trabalho diário sejam convertidos em apenas entre cinco a dez anos de carreira contributiva".

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Serão cerca de 9500 os professores que se dizem lesados pelos descontos para a Segurança Social PAULO PIMENTA

Há mais uma petição de professores depositada na Assembleia da República para apreciação. Foi entregue nesta sexta-feira com 5033 assinaturas, o que obriga a que venha a ser discutida em plenário. O que está em causa é o modo como têm vindo a ser processados os descontos para a Segurança Social dos professores contratados para assegurarem horários incompletos (menos de 22 horas de aulas por semana).

Um destes professores, Ricardo Pereira, refere que actualmente o número de professores “lesados nos descontos” ronda os 9500. “Este grupo é composto por professores precários, sem vínculo estável, a maior parte das vezes mal remunerados, a quem o Governo está a negar uma carreira contributiva digna”, especifica.

Mais concretamente, explica, por cada mês do seu trabalho têm sido “declaradas menos de duas semanas à Segurança Social”. Feitas as contas, frisam na petição, resulta que “vinte anos de trabalho diário e efectivo sejam convertidos em apenas entre cinco a dez anos de carreira contributiva, com consequências gravíssimas para efeitos de prazo de acesso a prestações sociais [como o desemprego] e à aposentação”.

Esta situação advém do facto de os professores contratados para horários incompletos estarem a ser equiparados a trabalhadores a tempo parcial, o que é contestado por este grupo de docentes. Lembram a propósito que, nos termos do Estatuto da Carreira Docente (ECD), “os horários dos docentes podem ser completos ou incompletos no que respeita apenas à componente lectiva [tempo de aulas]”, sendo que o horário de trabalho semanal é de 35 horas, por se incluir também a chamada componente não lectiva, que é destinada a reuniões, apoio a alunos e a outras tarefas das escolas.

Ora, afirmam, estes docentes têm de estar disponíveis para “o cumprimento deste serviço a tempo completo, sendo convocados sem antecipação devida, não podendo faltar alegando ter outro emprego, tendo falta injustificada se não tiverem outro motivo válido”. Denunciam também que esta parte do seu horário tem sido ignorada aquando das declarações dos tempos de trabalho à Segurança Social, que é feita pelas escolas.

Ministério assume “desigualdade”

O Ministério do Trabalho, da Solidariedade e da Segurança Social (MTSSS) já fez saber que, “sem prejuízo destas observações dos docentes, para efeitos da contagem de dias, o que efectivamente determina a forma de contabilização é a natureza do contrato de trabalho”. Por essa razão, considera que devem ser “os agrupamentos escolares a verificar em cada situação se o docente contratado está ou não em regime de tempo parcial e adequar a forma de declaração dos tempos de trabalho a esse regime laboral, à semelhança de qualquer entidade empregadora”.

Apesar de o ECD prever a possibilidade dos professores trabalharem a tempo parcial, o modo como estes contratos estão a ser feitos pelas escolas não corresponderá ao que se encontra determinado no Código do Trabalho (CT) para aquele tipo de trabalho. Foi este, pelo menos, o entendimento do Tribunal Administrativo de Sintra. Num acórdão a propósito de um processo interposto por um professor nesta situação, este tribunal entendeu, também com base no CT, que neste caso se presume que “o contrato é celebrado a tempo completo”.

A posição do MTSS foi transmitida em Janeiro ao Parlamento no âmbito de uma primeira petição entregue pelo mesmo grupo de professores dois meses antes, que reuniu apenas cerca de 900 assinaturas. Voltaram agora à carga com uma nova petição bem mais concorrida e que tem também como alvo as alterações ao decreto de 2011 que regulamenta o Código Contributivo, que entraram em vigor em Janeiro passado.

No entender do MTSS, este novo diploma veio corrigir “uma desadequação da forma de contabilização dos dias de trabalho a tempo parcial”, que também já fora denunciada por estes docentes. O problema no caso é que o valor de referência para este cálculo previa apenas a existência de um horário de 40 horas semanais, o que criava uma “situação de desigualdade para os sectores em que o horário normal corresponde a 35 horas” e que ficavam assim com menos dias contabilizados parfa efeitos de declaração à Segurança Social.

Para o MTSS, esta situação ficou resolvida a partir de Janeiro já que ao diploma que regulamenta o Código Contributivo foi aditado um ponto em que se estabelece que para os sectores de actividades que têm um horário de 35 horas semanais se passará a contar “um dia de trabalho por cada conjunto de cinco horas”.

Os “mais precários do ensino”

O Ministério da Educação (ME) também se pronunciou no mesmo sentido, tendo informado também que já deu “indicações às escolas, garantindo a uniformização deste processo” que, conforme atestou a Provedoria da Justiça em 2017, estava marcado por “discrepâncias”, já que as escolas estavam a seguir fórmulas de cálculos que diferiam de uma para outra.

Na resposta enviada em Janeiro ao Parlamento, o ME considera ainda que “não há qualquer especificidade [na carreira docente] que justifique um tratamento diferenciado entre um trabalhador com horário a tempo parcial e um docente com horário incompleto”. Esta interpretação volta a ser contestada na petição entregue nesta sexta-feira, onde se afirma que “os professores não celebram contratos a tempo parcial e, como tal, devem ter 30 dias de trabalho declarados mensalmente à Segurança Social”.

Para além desta divergência de fundo, os professores “lesados pelos descontos”, que se definem como “os mais precários do ensino português”, insistem ainda que continua a ser utilizada “uma fórmula de cálculo errada, pois apenas considera 22 úteis quando para a Segurança Social todos os meses têm 30 dias”.

Notícia corrigida às 15h02 de dia 9 de Março. Na versão inicial dizia-se que foram recolhidas 4850 assinaturas, quando foram 5033.

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