Mario Draghi forçado a atrasar regresso à normalidade

BCE prolonga o período em que a manutenção das taxas zero é uma certeza e renova o financiamento de longo prazo ultra barato aos bancos. Banca nacional entre as que mais beneficiam.

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Bastaram três meses e alguns dias para que o Banco Central Europeu voltasse a dar, depois de ter terminado as compras líquidas de dívida pública no início deste ano, sinais de hesitação na sua estratégia de retirada dos estímulos monetários à economia da zona euro.

Esta quinta-feira, no mesmo dia em que reviu fortemente em baixa as suas projecções de crescimento para este ano, a autoridade monetária não só alargou o período de tempo em que garante não subir as taxas de juro, como voltou a dar aos bancos da zona euro a oportunidade de acederem a financiamento ultra barato de longo prazo, repetindo uma medida extraordinária adoptada em período de crise.

O discurso de início de regresso à normalidade que Mario Draghi ensaiou em Dezembro passado parece, para já, ter ficado suspenso. Nessa altura, o BCE deu por terminado o programa de compras líquidas de dívida pública com que vinha injectando liquidez na economia da zona euro. A economia europeia já estava a crescer há vários trimestres e havia sinais de que uma maior generosidade nas actualizações salariais poderia vir a reanimar a taxa de inflação.

No entanto, passados três meses, o cenário mudou. Afinal, logo no final do ano passado as economias da zona euro, e em particular a alemã, abrandaram fortemente, ensombrando as perspectivas também para 2019. Depois de entidades como a Comissão Europeia ou a OCDE terem feito o mesmo nas últimas semanas, o BCE reviu a sua previsão de crescimento da zona euro este ano de 1,7% para 1,1%.

Neste cenário, Mario Draghi e os seus pares viram-se forçados a reavaliar a forma como pretendem concretizar o regresso à normalidade na sua política monetária. Em Dezembro, para além de terminar as novas compras de dívida pública, o presidente do BCE tinha dito que uma subida das taxas de juro apenas poderia acontecer no Verão.

Agora, não reiniciou as compras, mas, numa tentativa de tranquilizar os mercados, passou a garantir que subidas de taxas não irão acontecer antes do final do ano, o que na prática constitui um atraso de seis meses no plano de retirada de estímulos do banco central face ao inicialmente planeado.

“Num quarto escuro, temos de nos mover com pequenos passos. Não se corre, mas mantemo-nos em movimento”, afirmou Mario Draghi para explicar que é a actual incerteza na conjuntura económica que faz com que o BCE hesite na retirada dos estímulos.

Para além do adiamento de uma eventual subida de taxas, o BCE deixou ainda um outro sinal importante de que não considera que o sistema financeiro europeu esteja preparado para um regresso total à normalidade. Mario Draghi anunciou o lançamento de uma terceira série das operações de refinanciamento de longo prazo (o chamado TLTRO) que o BCE tinha estreado em 2014 e repetido em 2016.

Estes empréstimos a taxa de juro zero (a actualmente vigente no BCE) desempenharam nos últimos anos um papel fundamental na estabilização do sector bancário da zona euro, já que as instituições financeiras puderam aceder a financiamento ultra barato por prazos muito alargados: quatro anos, quando em tempos normais o financiamento do BCE aos bancos é feito com operações de curto prazo.

O financiamento dado em Junho de 2016 - que ascende actualmente a 720 mil milhões de euros - tem de ser devolvido pelos bancos em 2020 e, aparentemente, o BCE considerou que estes não estavam preparados para voltar aos mecanismos de financiamento tradicionais.

Assim, a terceira série dos TLTRO (de "targeted longer-term refinancing operations") servirá para os bancos amortizarem a anterior, sem sobressaltos nos seus níveis de liquidez. Isto é particularmente importante para o BCE numa altura em que muito se teme pela estabilidade de sectores bancários como o italiano, com dificuldades de acesso aos mercados, ou o alemão, que continua a ser abalado pelas dificuldades do gigante Deutsche Bank.

Os bancos portugueses estão também entre os que beneficiam com esta medida do banco central. De acordo com os dados publicados pela agência de notação financeira Moody’s, actualmente o sector bancário português tem, em financiamento de longo prazo do BCE, 18,7 mil milhões de euros. É um valor que corresponde a 4,8% do total dos activos dos bancos, o que coloca Portugal como um dos países (apenas atrás da Itália com 6,5% e Espanha com 6,3%) com maior dependência deste instrumento.

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