Caso bairro da Jamaica: três detidos na manifestação condenados a multas e um a pena suspensa

Sentença do julgamento dos quatro jovens detidos no dia 21 de Janeiro na manifestação na Avenida da Liberdade lida esta tarde. As condenações foram convertidas em multas, que vão entre 350 e 850 euros, à excepção de um dos jovens que tinha antecedentes criminais e foi condenado a cinco meses de pena suspensa de prisão.

Foto
A polícia disparou balas de borracha no dia 21 de Janeiro, na Avenida da Liberdade, alegando que tinha sido atacada com pedras Nuno Ferreira Santos

A juíza do Tribunal de Pequena Instância Criminal de Lisboa absolveu esta quinta-feira dois arguidos pelos crimes de ofensa à integridade física — estavam acusados de terem arremessado pedras à polícia durante a manifestação que decorreu na sequência do caso do bairro da Jamaica, na Avenida da Liberdade, em Lisboa, dia 21 de Janeiro.

Já pelo crime de participação em motim, que também constava da acusação do Ministério Público (MP), esses dois jovens, B.A. e J.J., foram condenados. Isto porque, segundo a juíza, está em causa o facto de terem participado num protesto em que ficou provado que existiu arremesso de pedras e ameaça à ordem pública.

Outros dois jovens foram condenados pelos crimes de que estavam acusados pelo MP: B.F. por ofensa à integridade física na forma tentada e injúrias e T.F. por injúrias. 

Todas as condenações foram convertidas em multas, entre os 350 e os 850 euros, à excepção de um dos jovens que tinha antecedentes criminais e foi condenado a cinco meses de pena suspensa de prisão.

Dois dos arguidos, B.A. e J.J., respondiam pelos crimes de ofensas à integridade física e participação em motim; outros dois, T.F. e B.F., por injúrias e ofensa a integridade física qualificada na forma tentada. Todos negaram as acusações. O despacho do MP referia que o arremesso de pedras causou danos nos escudos e num capacete no valor de mais de 1700 euros.

Segundo a juíza, não ficou provado que J.J. e B.A. arremessaram pedras aos agentes isto porque os arguidos o negaram e porque apenas uma testemunha, o agente Hugo Santos, referiu tal facto. 

Mas o tribunal considerou, porém, que ficou provado que os arguidos estavam no grupo que arremessou pedras: segundo o artigo 302.º do Código Penal, “quem tomar parte em motim durante o qual forem cometidas colectivamente violências contra pessoas ou contra a propriedade é punido”, justificou.

Atirou uma garrafa de água

O tribunal deu ainda como provado que o jovem B.F. atirou uma garrafa de água ao intendente Luís Moreira (não lhe acertando), e que proferiu injúrias; já T.F. foi condenado por injúrias enquanto filmava os acontecimentos e adoptou um comportamento de desafio e desrespeito às autoridades, disse a juíza. 

O advogado dos quatro jovens, Vasco Barreira, vai recorrer. “Os dois primeiros jovens participaram numa manifestação que, embora não autorizada, foi pacífica e ficou marcada por um incidente de arremesso de pedras por parte de um grupo minoritário. O tribunal não pode considerar que todos os manifestantes cometeram um crime de participação em motim, o que constitui um perigo para a democracia e para direito de manifestação”, disse ao PÚBLICO. 

O julgamento começou há um mês. Os quatro jovens foram detidos na manifestação na sequência do caso do bairro da Jamaica, organizada como protesto contra a violência policial e em solidariedade com uma família daquele bairro.

Na semana passada o MP pediu penas de prisão com substituição por penas de multa para dois dos jovens, B.F. e de J.J., pena suspensa para todos os crimes imputados aos arguido B.A., e multa para T.

O protesto começou no Terreiro do Paço, em frente ao Ministério da Administração Interna, prosseguiu até ao Marquês de Pombal e no regresso pela Avenida da Liberdade acabou com a polícia a atirar balas de borracha e a acertar em alguns manifestantes — a PSP justificou a acção com a necessidade de dispersar e de se defender de “pedras” que lhe foram atiradas.

Nas suas alegações em sede de julgamento, a procuradora do MP considerou que os depoimentos dos quatro jovens em tribunal não tinham credibilidade e apresentavam contradições. Pelo contrário, os depoimentos dos agentes Hugo da Palma Santos e Luís Moreira mereceram “grande credibilidade”, afirmou, dizendo inclusivamente que um deles tinha sido “muito sincero”. Sublinhou ainda que era “irrelevante” saber se as pedras arremessadas pelos dois arguidos acertaram ou não nos agentes. O que interessa é que havia “a intenção de provocar danos, de agredir”, referiu.

Já o advogado dos jovens, Vasco Seabra Barreira, sublinhara nesse dia que os depoimentos dos agentes da PSP em tribunal foram marcados por “contradições” e que isso “não permite ao tribunal formular uma convicção segura” de que pode condenar os jovens. Lembrou que apenas um agente, Hugo Rodrigo da Palma Santos, disse ter visto um dos jovens, B.A., a atirar uma pedra mas que o vira no meio de um grupo, ou seja, não poderia ter a certeza de se tratar efectivamente da mesma pessoa. É inverosímil, referiu, que alguém culpado vá ter com os agentes, como B.A. o fez, “dispondo de uma rota de fuga”. O mesmo tipo de comportamento teve J.J., também acusado de atirar pedras, que foi ter com o mesmo agente da PSP, sublinhou o advogado. 

A palavra da PSP vale mais?

Vasco Barreira referiu ainda que “mais nenhum agente” além de Hugo Santos viu os dois jovens atirarem pedras. “As acusações do MP assentam exclusivamente na palavra de um dos agentes. O MP abdicou de recolher meios de provas, limitou-se a dizer que os factos ocorreram em frente ao Cinema São Jorge e foram os arguidos que vieram dizer que foi em frente ao Hotel Tivoli.” E acrescentou: “Não chega. A palavra da PSP não pode valer mais do que a palavra de cidadãos. A palavra destes agentes está recheada de contradições.” 

Quanto aos jovens acusados de injúrias, B.F. e T., referiu que foram detidos apenas porque para o agente Moreira foi “intolerável” eles estarem a filmar “ostensivamente” (palavra do agente Moreira) as detenções. Não foram recolhidos meios de prova como a referida garrafa de água que teria sido atirada por B.F., disse. E no vídeo entregue ao tribunal, filmado pelo próprio T., ouve-se a sua exaltação mas em momento algum se ouvem injúrias, sublinhou. 

A procuradora do MP começou as suas alegações dizendo: “Não estamos a julgar a conduta da PSP mas apenas os arguidos”. O advogado dos jovens contrapôs: “Na medida em que a acusação assenta essencialmente na palavra destes agentes a conduta da PSP é essencial.”

Sugerir correcção
Ler 5 comentários