Acção em nome de refugiados sírios tenta levar Assad ao TPI

A Síria não é signatária do Tratado de Roma, mas os advogados usaram o precedente da Birmânia, em que a jurisdição foi aumentada porque houve transferência forçada de população.

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Cartaz de Bashar al-Assad em Homs: nova tentativa de levar o líder sírio a responder perante a justiça internacional Marko Djurica/Reuters

Há uma nova tentativa em curso de levar o Presidente sírio, Bashar al-Assad, a enfrentar a Justiça internacional, quando este praticamente venceu a guerra na Síria e o regime prepara já a fase seguinte.

A acção foi interposta por advogados de Londres em nome de 28 sírios que fugiram para a Jordânia, onde vivem em campos de refugiados, segundo a imprensa britânica. Cada um dos 28 testemunhou sobre ter sido vítima de ataques (com bombas ou disparos na sua direcção), detido, torturado, e ter visto assassínios em massa desde o início da guerra, em 2001. Por tudo isto, atravessaram a fronteira para a Jordânia.

O argumento para este caso ser considerado pelo Tribunal Penal Internacional (TPI) é um precedente em que a transferência forçada de população de um país não signatário para outro signatário ditou a extensão da jurisdição: o caso da Birmânia e a movimentação forçada dos rohingya para o Bangladesh. No caso da Síria, a Jordânia, onde agora vivem milhões de sírios, também é signatária do tratado de Roma que criou o TPI.

A decisão do TPI em relação à Birmânia foi tomada em Setembro de 2018, o tribunal analisa agora se tem provas suficientes para avançar para uma investigação formal. Várias tentativas anteriores de levar o regime de Assad a ser investigado pelo TPI, por uso de armas químicas ou assassínio em massa de detidos, falharam por causa da jurisdição.

A outra possibilidade seria o caso ser referenciado ao TPI pelo Conselho de Segurança da ONU, como aconteceu nos casos do Sudão e da Líbia (mas a proposta feita ao CS em 2014 foi vetada pela Rússia, que ajudou Assad a ganhar a guerra, e pela China).

“Abriu-se uma via jurisdicional para finalmente os procuradores do TPI conseguirem investigar os perpetradores que são mais responsáveis”, disse ao diário The Guardian o advogado Rodney Dixon, que está a coordenar esta acção que invoca pela primeira vez o precedente da Birmânia/Bangladesh. “Este caso representa um avanço para as vítimas civis”.

Dixon explicou ao jornal The Telegraph que o processo vai focar-se na deslocação forçada: “Na Síria houve actos violentos que fizeram com que as pessoas deixassem o país e fossem para um Estado sob alçada do TPI. O atravessar da fronteira é o elemento-chave do caso. Forçar alguém a sair do seu país é um crime grave.”

Mais, “não é preciso mostrar que o governo pôs estas pessoas em comboios ou autocarros para atravessar a fronteira: pode ser o bombardeamento repetido de uma aldeia que os forçou a ir para o país vizinho”, explicou. Cerca de metade da população total da Síria antes da guerra, 21 milhões, está deslocada internamente (6,6 milhões) ou refugiada no estrangeiro (5,6 milhões).

A guerra, continuou Dixon de novo ao Guardian, “dura há quase nove anos e ninguém foi responsabilizado pelas centenas de milhares de violações contra civis.”

No mês passado, no entanto, houve um primeiro passo para um potencial processo contra três antigos membros dos serviços secretos sírios suspeitos de tortura, num caso que resultou de uma colaboração inédita da França e da Alemanha – a Alemanha permite acusação de crimes em qualquer lugar do mundo graças à jurisdição universal, França só se o suspeito residente em França ou houver uma vítima francesa. Os três estão actualmente detidos, dois na Alemanha, e um em França.

Outros países com jurisdição universal como a Suécia têm também tido alguns processos, e há ainda um organismo criado pela Assembleia Geral da ONU no final de 2016 dedicado à recolha de provas: o International, Impartial and Independent Mechanism, com sede em Genebra.

Últimos dias do Daesh

O advogado da mais ambiciosa tentativa disse ainda esperar que esta referência ao TPI seja um dissuasor para acções do regime, “particularmente com o destino de Idlib em causa”, o último reduto da oposição, actualmente sob ataque das forças governamentais.

Este é um dos últimos locais em que há forças contra o regime activas na Síria, junto com a pequena localidade de Baghouz, onde os últimos combatentes do Daesh se vão rendendo a pouco e pouco – na última evacuação da localidade, na quarta-feira, saíram mais de 2000 pessoas, diz a emissora pan-árabe Al-Jazira.

Mas apesar de o Daesh estar praticamente derrotado, e centrado numa localidade minúscula, se comparado com a grande extensão que o seu autoproclamado califado ocupou tanto na Síria como no Iraque, ainda havia “um grande número de combatentes que estão no interior e não se querem render”, disse à Al-Jazira um comandante das Forças Democráticas Sírias, lideradas por rebeldes curdos, que preparam o ataque final.

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