A Rua Formosa vai ficar sem o Alambique, mas a história não acaba aqui

O número 214 da Rua Formosa vai deixar de acolher o Alambique para dar lugar a um hostel. Prestes a fechar as portas, Luís garante que vão encontrar uma nova morada para o café-livraria - e muito mais - portuense.

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O Alambique vai dar lugar a um novo hostel na Rua Formosa. Adriano Miranda
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A primeira “ameaça” da antiga senhoria, que dizia que tinham de abandonar o rés-do-chão arrendado devido à venda e futura demolição do edifício, “foi um choque”. Mas, desde então, já sabiam que tinham “a cabeça a prémio”. O que não achavam “é que ia ser tão rápido”. Quem o diz é Luís Félix ao ver o Alambique, um estabelecimento que é uma “segunda casa”, com os dias contados. Pelo menos, naquele sítio que, diz, será transformado num hostel. Depois de várias semanas de “pressão” por parte da, à data, proprietária do edifício, a história do Alambique no número 214 da Rua Formosa, no Porto, vai mesmo chegar ao fim este sábado. “Vão nos tirar esta morada, mas não a nossa alma”, escreve Luís, deixando a certeza de que irão procurar um novo endereço para o café-livraria portuense.

Depois de ter sido “obrigado” a mudar-se da casa onde vivia na baixa portuense para o outro lado da Ponte D. Luís I “pelos mesmos motivos” há cerca de um ano, vê o cenário a repetir-se no espaço que construiu “de raiz” numa loja abandonada há cerca de uma década. Quando, nos inícios de 2016 e de contrato de dez anos assinado debaixo do braço, Luís pegou num pau de giz e começou a desenhar as divisórias do espaço no rés-do-chão do prédio da Rua Formosa, não imaginou que, findados dois anos e meio, teria de embalar tudo o que construiu.

O primeiro aviso, conta Luís ao PÚBLICO, chegou no Verão de 2018 através da senhoria que insistia que tinham de abandonar o local, realçando a venda do edifício e que “o novo proprietário ia demolir tudo e fazer um hostel”. “Notou-se que era uma primeira abordagem para ver se era fácil tirar-me daqui.” Houve, inclusive, uma proposta de indemnização “ridícula” pela rescisão de um contrato que nem a meio tinha chegado. Luís e Diana, a “sócia da vida”, não aceitaram e o bate pé do casal fez com que o Alambique resistisse até à data.

O novo ano começou com “mais pressões” e com “telefonemas constantes” da advogada da antiga proprietária que criavam um “mau ambiente”. Contrataram, por isso, uma advogada que apresentou a Luís e Diana dois cenários possíveis: ou poderiam usufruir da situação de que a venda do imóvel estava dependente deles ou “o novo comprador comprar o imóvel com o Alambique”, uma vez que por lei “não são obrigados a sair” só porque há uma venda do imóvel. A primeira dar-lhes-ia “demasiadas dores de cabeça”. Se optassem pela segunda hipótese, a renda iria “certamente aumentar” e “seria uma questão de tempo até ter de sair porque vão demolir tudo” para construir o hostel.

Seria, no fundo, um cenário parecido ao de João Soares, o alfarrabista despejado do número 40 da Rua das Flores. Primeiro, veio o aviso de que teria de sair porque o prédio que o acolhia há 20 anos seria vendido. Depois, viu a renda aumentar de 85 para 850 euros e, após negociações, conseguiu estabelecer os 750 euros para os meses finais. Por fim, e depois de uma intensa procura num mercado catatónico, descobriu uma segunda vida para a livraria na Formosa, uns metros mais abaixo do Alambique.

Nos últimos dois anos e meio, o Alambique sido oferecido a portugueses e estrangeiros café, doçaria, leitura, exposições de arte e ainda uma loja vintage. Adriano Miranda
Nos últimos dois anos e meio, o Alambique sido oferecido a portugueses e estrangeiros café, doçaria, leitura, exposições de arte e ainda uma loja vintage. Adriano Miranda
Nos últimos dois anos e meio, o Alambique sido oferecido a portugueses e estrangeiros café, doçaria, leitura, exposições de arte e ainda uma loja vintage. Adriano Miranda
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Nos últimos dois anos e meio, o Alambique sido oferecido a portugueses e estrangeiros café, doçaria, leitura, exposições de arte e ainda uma loja vintage. Adriano Miranda

O alfarrabista é, na verdade, uma excepção à “regra” que tem vindo a ser aplicada na Formosa. Num Porto cada vez mais turístico, a Rua Formosa e arredor são pontos centrais da cidade que têm vindo a ser reformulados para responderem à procura, com cada vez mais lugares destinados ao alojamento local.

Por isso, após semanas de “pressões intensas” para abandonarem o edifício que chegavam através de telefonemas e visitas da advogada da proprietária do imóvel na altura, decidiram chegar a um acordo. O resultado foi uma indemnização que diz não cobrir o tempo e dinheiro investidos, mas “ajuda a que seja possível dar uma nova morada” ao Alambique.

“Nós não somos turísticos e os turistas gostam disso”

Sentado numa das mesas em frente ao balcão que sustenta alguns doces e livros, o telemóvel de Luís toca de cinco em cinco minutos. São mensagens de clientes a “dar força”, “motivação” e a desejar “uma nova oportunidade” para o Alambique. Este é um cenário constante desde 20 de Fevereiro, o dia em que Luís anunciou publicamente o encerramento do espaço portuense que, nos últimos dois anos e meio, tem recebido milhares de pessoas de todo o lado do mundo, como comprova o bloco de dedicatórias e assinaturas que têm em cima do balcão.

Os clientes portugueses “já fazem parte da casa”. “Entram e ajudam a arrumar as mesas, por exemplo”, conta Luís. E os estrangeiros seguem o mesmo caminho. “Nós não somos turísticos e os turistas gostam disso.” Para o sócio, existe uma “ilusão com o turismo” que está a ir “pelo caminho errado”. “O grande mal que está a acontecer é que se vê os estrangeiros como clientes descartáveis, que consomem, deixam dinheiro e vão embora, e não são. Eles também podem ser clientes da casa.” Por isso, os pedidos para uma nova morada para o Alambique têm vindo de todos os continentes.

Apesar da ajuda dos amigos e clientes que “conhecem uma loja vazia e mandam logo uma fotografia”, a saga pela procura de um novo sítio para arrendar “não está a ser fácil”. Para Luís, “o negócio não pode ser um escravo das rendas” que, acrescenta, “são ridículas”. A par disso, “por estar sempre de pé atrás” e “sujeitos a sair outra vez”, há a “probabilidade de exigir um contrato [que o proteja] que poucos proprietários estão dispostos a dar” o que dificulta ainda mais a procura porque, normalmente, “são os senhorios que exigem e não os inquilinos”.

Por isso, enquanto “recarregam energias e refrescam as ideias”, vão estando atentos às oportunidades que o mercado tem para oferecer. Sabem, porém, que quando o Alambique voltar “não será uma réplica” do que foi até agora porque “não é como um franchising em que tudo é standard”. “Mas quero manter o ambiente, o conceito e continuar a sentir que as pessoas entram e têm aquele sentimento ‘de casa’ que eu noto no olhar”, garante.

Texto editado por Ana Fernandes

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