Quase 40 anos de músicas depois, a alternativa ao vinil é… o vinil

As experiências com discos digitais superiores ao CD ficaram-se por um mercado restrito. E o vinil regressou em glória, finalmente vingado.

Numa altura em que o mundo ainda procurava refazer-se do infame atentado às Torres Gémeas de Nova Iorque, em 11 de Setembro de 2001, chegava às bancas o primeiro número da edição portuguesa da britânica DVD Review, revista destinada, como o nome indica, a acompanhar as novidades do então florescente mercado do DVD. Isso em Novembro de 2001. Pois no ano seguinte, no seu número 9, publicado em Julho de 2002, a DVD Review dedicava um dossier especial ao que chamava “a guerra da música”, ou guerra de formatos, classificada em editorial como “A revolução lenta”. O título do artigo era: “DVD-Audio ou Super Audio CD?” À data, estes dois formatos competiam na tarefa de substituir o CD comum, que em 1982 destronara os velhos discos de vinil.

Não só eles: percebendo que os CD, devido ao processo de compressão digital, omitiam parte da informação necessária a uma audição satisfatória, cedo começaram os interessados em matéria de som (e no comércio dela resultante) a testar formatos melhorados. E foi assim que, por entre a avalancha de CD que chegava às lojas, iam surgindo designações como HDCD, SBM (Super Bit Mapping), xrCD (Extended Resolution Compact Disc) ou K2 Super Coding.

A estas juntaram-se depois o DVD-Audio e o Super Audio CD (SACD), que exigiam descodificadores próprios para tirar total partido da alta resolução proposta. E isso significava investimento em novos leitores de discos. Caros, naturalmente, e com um “defeito”: só liam um dos formatos, raramente liam os dois. Guerra de companhias.

Certo é que, apesar das vantagens dos novos formatos sobre o CD, a sua aceitação e propagação foi residual; tal como a dos Blu-ray Audio, que se lhes seguiram. O que sucedeu então? Para surpresa de todos, quando o mercado já contava com uma larga variedade de formatos áudio de resolução superior à do CD original, sem que qualquer deles mostrasse capacidade de massificação a curto prazo, os discos de vinil regressaram. Não só os LP, no esplendor das suas capas desdobráveis de grande formato, mas também os EP ou até os singles, todos eles com novos atractivos: gramagem superior, capas mais cuidadas, bónus editoriais e até um código para descarregar o disco em MP3, formato muito pobre em resolução sonora mas de uso massificado por inúmeras razões (espaço, rapidez, etc.).

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NELSON GARRIDO

E com os LP, que foram ganhando espaço aos CD nas lojas, vieram as revistas dedicadas ao vinil (como a Long Live Vinyl, que já vai na 25.ª edição, mantendo um site à altura) e sugestões de compra, com o eterno piscar de olhos aos coleccionadores. Mauro Ferreira, jornalista brasileiro, escreveu no jornal O Globo em 2017: “Naquele já longínquo ano de 1982, ninguém acreditaria se alguém dissesse que os LPs, então decretados à morte, estariam mais vivos do que o CD em 2017, ainda que os cultuados vinis representem um nicho mercadológico específico.” Se escrevesse hoje, teria de emendar a última frase: é que o nicho ampliou-se largamente e com ele regressaram os velhos gira-discos (vitrolas, no Brasil), com novos modelos e funções (até conversão para MP3, imagine-se!). Há mesmo quem compre LP só para ter o gozo de ler e reler as suas capas, acabando por ouvir o disco não em vinil, mas no formato MP3 a que ele dá acesso.

E se a cada novo disco de previsível maior difusão no mercado as grandes editoras já não negam distribuição em cada um dos vários formatos existentes (LP, DL ou DownLoad, CD), arriscando algumas ainda edição em SACD, DVD-Audio ou até Blu-ray Audio, a verdade é que o apelo ao regresso ao vinil é também um apelo aos discos do passado. Um exemplo: a Fnac lançou um Guia do Vinil que, nas suas páginas, apresenta uma lista de eventuais compras que vai de Elvis Presley a PJ Harvey, passando por Beatles, Stones, Doors, Hendrix, Dylan e tudo quando possam imaginar que caiba num lote assim.

Como escreve o director da revista Audio & Cinema em Casa, no editorial da recém-saída edição de Março-Abril: “O risco mínimo que se corre é o de, como disse um famoso cómico aqui há uns anos, comprarmos pela décima vez o Álbum Branco dos Beatles ou algo semelhante.”

Não é um risco mínimo, é um risco garantido. Enquanto a indústria vai inventando formatos, as “cobaias” vão sendo testadas através do que já conhecem. E sim, já há muitas edições diferentes do Álbum Branco dos Beatles, a que só não mudaram a cor. Isto enquanto uma grande maioria já só ouve música em streaming (Spotify, Tidal, Apple, Pandora, Deezer, Amazon, etc.), ignorando as lojas e as formas físicas que, em instável e constante metamorfose, os discos vão tomando. Resta-nos a música. E a certeza de que os nossos ouvidos merecem sempre ouvi-la da melhor forma possível. Cabe a cada qual encontrá-la, à medida da sua cultura, do seu gosto e da sua bolsa.

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