A terra treme

Esta legislatura ensinou-nos que o Ensino Superior e a Ciência continua a mover-se em terrenos movediços e o responsável pela pasta – Manuel Heitor – só não sente a terra a tremer porque vive em terra de ninguém.

As Progressões Remuneratórias

No Orçamento do Estado de 2018, foi contemplado o direito e as referidas verbas para as valorizações remuneratórias dos docentes do ensino superior universitário e politécnico. A decisão, mais do que correta, de garantir o “descongelamento” das carreiras foi um passo importante se assumirmos uma lógica de desenvolvimento sustentável e com espírito de serviço público, onde os docentes são uma peça fundamental no sistema de ensino superior público.

A verdade é que direções de várias instituições de ensino superior têm-se recusado a promover as progressões salariais dos docentes do ensino superior público. O direito a estas progressões encontra-se bem expresso na lei, pelo que se torna incompreensível tal recusa. A Lei Geral do Trabalho em Funções Públicas, aplicável a todos os trabalhadores da administração pública e, ainda, os estatutos de carreira referentes a docentes do ensino superior (ECDU e ECDESP) não deixam margem para dúvidas. Seja através do sistema dos dez pontos consagrados na LTFP, seja no sistema de avaliação dos seis excelentes consagrado nos estatutos de carreira, os docentes têm direito inquestionável à sua progressão. Essa avaliação de desempenho dos docentes do ensino superior está prevista na lei e, de forma mais detalhada, nos regulamentos das instituições. As condições para a avaliação positiva neste setor são particularmente exigentes e comportam uma dimensão de mérito individual de cada docente. A consequência da obtenção de avaliação positiva em vários anos ou ciclos avaliativos é sempre a progressão remuneratória. A recusa das direções destas instituições em procederem às alterações remuneratórias destes docentes constitui uma recusa ao cumprimento da lei, pelo que é totalmente condenável. A autonomia das instituições de ensino superior, inquestionável do ponto de vista constitucional, não pode eximir as suas direções do cumprimento da lei.

Urge uma harmonização da forma como os docentes do ensino superior são avaliados e têm direito à sua progressão. O atual sistema em que os regulamentos de avaliação se sobrepõem à lei geral equivale a uma injustiça relativa, entre os docentes, e objetiva, quando cada docente com direito a progredir não vê isso contemplado, ao fim de mais de um ano de o Orçamento do Estado o contemplar.

O Ministro em Terra de Ninguém

Esta legislatura ensinou-nos que o Ensino Superior e a Ciência continua a mover-se em terrenos movediços e o responsável pela pasta – Manuel Heitor – só não sente a terra a tremer porque vive em terra de ninguém. Ao fim de mais de um ano de um conflito em aberto que coloca docentes e instituições em choque, o ocupante do Palácio das Laranjeiras saúda o sistema de avaliação que originou tal crise.

Rapidamente nos vem à memória a icónica longa metragem do Neorrealismo italiano La Terra Trema [1]. A terra treme, mas parece não chegar ao Palácio das Laranjeiras. Como, durante mais de um ano, o ministro não resolveu o problema, é preciso chamar ao Parlamento essa responsabilidade. Está nas mãos de cada deputado e deputada a resolução do problema.

Esta legislatura tem provado duas coisas: a primeira é que o ministro é incapaz de enfrentar os pequenos poderes instalados nas Instituições de Ensino Superior e, portanto, tem ficado sempre nas mãos dos reitores e dos presidentes dos politécnicos; a segunda é que o Parlamento e, em particular, cada grupo parlamentar, tem hoje uma capacidade de decisão, dada a conjuntura, muita mais forte. Não existem maiorias absolutas e cada voto conta. Estão todos os grupos parlamentares dispostos a solucionar o que o Governo não foi capaz de resolver? O projeto-lei do Bloco de Esquerda que harmoniza os dois sistemas de avaliação já deu entrada no Parlamento. Haja vontade para avançar, o primeiro grande passo está dado.

[1] Filme italiano da realização de Luchino Visconti, em 1948

O autor escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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