Francisco abre em 2020 os arquivos de Pio XII, Papa durante a II Guerra

A Igreja Católica "não tem medo da História", disse o Papa, que abre os arquivos sobre o controverso pontífice em 2020. As organizações judaicas e o Estado de Israel pediam-no há muito.

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epa/ETTORE FERRARI

Dizendo que a Igreja Católica “não tem medo da História”, o Papa Francisco anunciou, nesta segunda-feira, que vai abrir os arquivos do Vaticano relativos ao pontificado de Pio XII, que apanhou o período da II Guerra. Uma decisão histórica que era há muito pedida pelos judeus.

Muitos judeus dizem que Pio XII, que chefiou a Igreja Católica entre 1939 e 1958, não fez o suficiente para os ajudar perante a perseguição da Alemanha nazi. A decisão de Francisco foi aclamada em Israel.

A posição do Vaticano foi sempre de que o Papa Pio trabalhou nos bastidores, por recear que uma intervenção pública agravasse a situação dos judeus e dos católicos na Europa dominada por Hitler.

O anúncio foi feito durante um discurso de Francisco aos membros dos Arquivos Secretos do Vaticano. O Papa disse que vão ser abertos a 2 de Março de 2020 e acrescentou que o legado de Pio XII foi tratado com “algum preconceito e exagero”.

A decisão pode acelerar o processo de santificação de Pio XII.

Para o American Jewish Committee (AJC), que há mais de 30 anos pede a abertura destes arquivos, a decisão de Francisco é muito significativa.

Os historiadores podem, a partir do momento em que os documentos possam ser consultados, avaliar objectivamente "o registo histórico do mais negro dos tempos, percebendo os fracassos ou os esforços que foram feitos durante o período da Shoah”, disse por email o rabi David Rosen, que dirige os Assuntos Intereligiosos do AJC. 

A Shoah é a palavra hebraica para Holocausto, em que foram mortos seis milhões de judeus.

“Estamos satisfeitos com a decisão e esperamos que haja um acesso livre a estes arquivos", disse o embaixador de Israel no Vaticano, Oren David.

No seu discurso o Papa disse que Pio XII conduziu a Igreja durante "um dos mais tristes e negros períodos do século XX". Disse estar confiante de que "a investigação histórica séria e objectiva permita avaliar [Pio] correctamente", incluindo uma "critica apropriada".

Porém, disse que os registos vão mostrar "momentos de grande dificuldade, decisões atormentadas, prudência humana e cristã, que podem ser vistas por alguns como renitentes", mas também mostram que forma tentativas para manter a esperança viva. 

Em 2009, o Papa Bento XVI enfureceu os judeus ao aprovar um decreto a reconhecer as "virtudes heróicas" de Pio XII, um primeiro passo para a sua santificação, como querem os seus defensores. 

Académicos católicos escreveram depois a Bento XVI a pedir-lhe para suspender a santificação, dizendo que é preciso primeiro fazer um estudo exaustivo sobre as acções de Pio XII durante o Holocausto, de outra forma as relações entre judeus e católicos podiam sair seriamente prejudicadas.

Yad Vashem, do memorial do Holocausto em Israel, elogiou a decisão desta segunda-feira do Papa Francisco, assim como o chefe da diplomacia israelita e Naomi Di Segni, chefe da União das Comunidades Judaicas Italianas. Disse esperar que "surjam clarificações sobre a posição da Igreja" durante o Holocausto.

A controvérsia sobre o comportamento de Pio XII durante a Guerra foi explorada em 1963 quando o dramaturgo alemão Rolf Hochhuth escreveu a sua controversa peça O Vigário, que acusa Pio XII de se ter silenciado perante o Holocausto.

Entre 1965 e 1981, o Vaticano publicou 11 volumes escritos pelos seus historiadores sobre o período da II Guerra, mas os académicos e a comunidade judaica pediram acesso directo aos arquivos mantidos em segredo. Aos historiadores de fora da Igreja foi sempre dado um acesso parcial, na maior parte das vezes indirecto, depois de pedidos específicos sobre determinados temas ou acontecimentos.

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