Falharam-nos... de novo... com o Novo Banco

Em mais uma operação financeira desastrosa que, com regularidade, se abate sobre estas praias, lá foram 8,8 mil M€ de património público. Foi antecedida e entretanto seguida por outras operações financeiras lastimáveis. Mais virão.

Relembremos a história do Novo Banco. A 3 de Agosto de 2014 é aplicada uma medida de resolução ao BES ao abrigo de legislação nacional que introduzia no direito português os elementos fundamentais da directiva europeia sobre a resolução bancária (só aprovada em Maio de 2014). Nessa altura, o Governo tinha ainda a opção legal de nacionalizar o banco. O governador do Banco de Portugal terá defendido junto da ministra das Finanças a nacionalização do BES. Mas Passos Coelho e Maria Luís Albuquerque opuseram-se. A medida de resolução cria o Novo Banco com os activos bons do BES e 4,9 mil milhões de euros (mil M€) de capital adicional injectados pelo Estado.

Governo anterior e Banco de Portugal prometeram mundos e fundos aquando da aplicação da medida de resolução, em particular: tratava-se de um empréstimo e o Estado iria reaver esse dinheiro da banca (foi uma injecção de dinheiros públicos de 4,9 mil M€); o Novo Banco continuaria a ser privado (foi nacionalizado); seria alienado em menos de um ano (o processo durou três anos); seria possível recuperar quase todo o capital injectado pelo Fundo de Resolução no Novo Banco com a venda do banco (quase todo esse capital foi perdido com a “venda” do banco em Outubro de 2017); seria a banca privada a pagar os custos da resolução (o empréstimo ao Fundo de Resolução foi reestruturado em 2016 a uma taxa de juro muito abaixo do seu custo e, como é óbvio, não foi pago pela banca nem o será nas próximas décadas); prometeram (ocultando essa informação ao país) à Direcção Geral da Concorrência (DG Comp) da Comissão Europeia que liquidariam o Novo Banco, caso não o vendessem num prazo de dois anos.

O Ministério das Finanças e o Banco de Portugal sabem o que significa liquidar um banco? Como puderam prometê-lo?

O actual Governo assumiu funções no final de Novembro de 2015 mas optou por deixar o processo de privatização do Novo Banco continuar a correr, apesar dos graves vícios do processo de venda.

Em particular, depois de ter sido pré-seleccionada a Lone Star como única potencial compradora do banco, o caderno de encargos da privatização foi alterado, por exemplo, com a oferta de garantias estatais.

E, incompreensivelmente, após conseguir negociar a prorrogação do prazo de venda por mais um ano (ou terá sido como condição para conseguir essa prorrogação?), o Ministério das Finanças, em Dezembro de 2015, manteve a promessa do anterior Governo de liquidar o Novo Banco, caso a venda não fosse realizada no prazo de três anos.

Ou seja, comprometeu-se a fechar o banco e a submetê-lo a um processo judicial de liquidação: processo em que um juiz nomearia um administrador judicial que venderia, ao longo de anos, milhares de activos e créditos bancários a preço de liquidação e com esses recursos pagaria às centenas de milhares de depositantes que ficariam, entretanto, sem acesso aos seus depósitos, enquanto milhares de empresas ficariam sem acesso a crédito. Um banco com activos e passivos que representavam, nessa altura, cerca de 50 mil M€ (26% do PIB)!

O Banco de Portugal e o Ministério das Finanças sentiam-se com a “corda apertada à volta da garganta” pois o prazo de três anos para a venda do Novo Banco estava a chegar ao fim e não havia maneira de o vender. Mas o compromisso de liquidar este banco nunca deveria ter sido assumido.

Os detalhes da venda do Novo Banco

O valor contabilístico do Novo Banco pouco antes da “venda” (Junho de 2017) era de 5,0 mil milhões de euros (mil M€). Com a “venda” foram oferecidas garantias públicas contingentes de 3,9 mil M€ que, como agora é evidente para todos, serão plenamente exercidas. Na realidade, a “venda” foi feita a preço zero: 75% da posição accionista e 100% do controlo do Novo Banco foi dada à Lone Star que, em contrapartida, se comprometeu a injectar 1000 M€ no banco.

Ou seja, 100% do controlo de 8,8 mil M€ de património público foi dado à Lone Star em Outubro de 2017.

Salta à vista que esta foi uma decisão lesiva do interesse nacional.

As autoridades nacionais tinham até Outubro de 2017 dois caminhos possíveis:

Não aceitar “vender” o Novo Banco naquelas condições; ou dar o banco e garantias com valor patrimonial de 8,8 mil M€ à Lone Star.

O primeiro caminho era o mais difícil no curto prazo. Oneraria o défice público de 2017, entre 0,5% e 1% do PIB, por via da recapitalização desse banco que o BCE exigia. Obrigaria a negociações difíceis com as autoridades europeias. Poderia agravar a incerteza sobre o futuro do banco. Manteria o Novo Banco na esfera pública.

O segundo caminho era o mais fácil no curto prazo. O dossier da venda do Novo Banco ficava fechado, libertando o Banco de Portugal e o Ministério das Finanças de responsabilidades. A DG Comp ficava contente. O BCE também. Não haveria impacto no défice de 2017. De forma calculada, empurrava-se o impacto no défice para depois de 2017, às “pinguinhas”, 0,4% do PIB de cada vez. Mas esta era a pior opção no longo prazo, sendo notório que era uma operação financeira altamente lesiva do interesse público, com o Estado a assumir os prejuízos e a dar património público e lucros a privados.

Em vez de recusarem uma venda nesses termos, não se deixando condicionar por chantagens, as autoridades nacionais aceitaram colocar o contribuinte português a pagar o que fosse necessário para não falhar o compromisso que aceitaram fazer, sob chantagem da DG Comp da Comissão Europeia, de liquidar o Novo Banco.

Decidiram dar património público à Lone Star apesar de terem sido atempadamente avisados, nomeadamente nesta coluna, que a Lone Star iria exercer plenamente as garantias estatais oferecidas e sabendo que a directiva europeia sobre resolução bancária permitia manter o banco na esfera pública.

Foi, como se disse, a decisão mais fácil, a que agradou às autoridades europeias.

Que ilações podemos tirar deste processo, como portugueses?

Falhou-nos o Ministro das Finanças que teimou e se empenhou pessoalmente na venda do Novo Banco à Lone Star, falhou o governador e o Conselho de Administração do Banco de Portugal na condução do processo de venda do Novo Banco e falharam Banco de Portugal e Ministério das Finanças nos compromissos de liquidação do banco assumidos com a Comissão Europeia; falhou o primeiro-ministro, que apoiou o ministro das Finanças e que também defendeu esta “venda”, falhou o Conselho de Ministros que “assinou de cruz”, falhou o Presidente da República que foi favorável à “venda” do Novo Banco.

Falharam-nos esses altos responsáveis da República!

Em mais uma operação financeira desastrosa que, com regularidade, se abate sobre estas praias, lá foram 8,8 mil M€ de património público. Foi antecedida e entretanto seguida por outras operações financeiras lastimáveis. Mais virão.

Não é por acaso que somos um país pobre há centenas de anos. Esta cultura de facilitismo está-nos no sangue.

Bem podem os máximos decisores da República nos tentar convencer que, sob a sua liderança, desta feita, Portugal está no caminho certo, que o país se irá tornar num país desenvolvido. 

Mas é bom que se tenha consciência que eram eles os timoneiros do país em Outubro de 2017. E que, quando chegou a altura de decidir sobre 8,8 mil M€ de património dos portugueses (4,6% do PIB) optaram, como outros antes deles, e como certamente outros depois deles, pelo caminho mais fácil, o atalho de curto prazo, o caminho do subdesenvolvimento que, passo a passo, decisão a decisão, nos conduz a um beco sem saída...

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