“Portugal tem de ter orgulho nos seus resultados europeus”

Três décadas e mais de 90 mil milhões de euros depois, Portugal é dos países europeus que mais beneficia dos fundos estruturais per capita. Ainda assim, continua muito longe da média europeia, depois de anos a afastar-se da convergência que lhe é pedida. E, contudo, é apontado como “o pequeno milagre” que outras regiões deveriam querer repetir

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Delegação da Comissão de Desenvolvimento Regional do Parlamento Europeu visitou durante três dias projectos no Norte do país INÊS FERNANDES

Lambert Van Nistelrooij apresentou-se como natural de um país que já disse que não pretende reforçar o seu contributo para o Fundo de Coesão, porque acha que não vale a pena gastar mais dinheiro em países como Portugal que recebem dinheiro há 30 anos e continuam longe das médias europeias. Nistelrooij é - tal como o famoso futebolista -, holandês, e é nesse país que desde 2004 tem sido eleito pelo partido Apelo Cristão para o Parlamento Europeu. Com a saída do Reino Unido da União Europeia, o orçamento comunitário vai reduzir-se cerca de dez mil milhões de euros por ano, e por esta altura anda toda a gente em Bruxelas a discutir como é que se monta o próximo quadro plurianual orçamental, para vigorar entre 2021 e 2027. Por isso é tão importante perceber o que é que países como Portugal, que são mais beneficiários do que contribuintes desse orçamento europeu, andam a aplicar o dinheiro.

Na semana passada, van Nistelrooij esteve em Portugal a avaliar o impacto da aplicação dos fundos comunitários no Norte de Portugal e garantiu que vai regressar a casa com uma história diferente para contar no Parlamento Europeu, mas também no seu país. “Estamos a visitar Portugal pelo pequeno milagre que conseguiu. Acho, pessoalmente, que deveria estar orgulhoso do que aqui se faz, e dizê-lo alto, em toda a Europa. Precisamos que outras regiões, outros países, vejam o exemplo que encontrámos no Norte [de Portugal], e a forma como instituições de investigação e empresas conseguiram um modelo que dá bons resultados”, disse ao PÚBLICO.

Em três décadas, Portugal recebeu mais de 90 mil milhões de euros provenientes dos fundos estruturais. Continua a ser um dos países que mais beneficia dos fundos em termos de PIB per capita, mas continua sempre abaixo da média europeia, teimando em afastar-se da desejada convergência. Mesmo assim, diz o eurodeputado holandês, e numa altura “crucial”, em que as instituições europeias estão a discutir o próximo orçamento comunitário, “é importante ver o impacto que os fundos estão a ter nestas regiões, que estavam para trás, mas que vão conseguindo projectos que criam emprego, se amarram a uma região, mas que depois partilham conhecimento e resultados, aumentam as exportações e tornam a Europa mais competitiva”. 

A competitividade é uma preocupação constante em todos os discursos. O que se percebe numa economia cada vez mais globalizada - onde, de acordo com os últimos dados do Fórum Económico Mundial, os Estados Unidos e a China asseguram sozinhos 47% do investimento feito em Investigação e Desenvolvimento. “Não podemos baixar os braços. Quando não há uma ideia sobre para onde queremos ir, podemos gastar o dinheiro em qualquer sítio. Mas estamos num mundo global, que precisamos de ser competitivos. O modelo que foi aplicado aqui no Norte é um bom modelo, que pode ser seguido”, argumenta Nistelrooij.

Fernando Freire de Sousa, presidente do Programa Operacional do Norte sistematizou os números: “Desde muito cedo que o crescimento económico nacional depende da região Norte, que assegura 41% das exportações nacionais.” Em 2016, a região exportou 20,5 mil milhões de euros. E quase 60% do emprego recuperado no período pós-crise foi feito nesta região. “Já não é verdade que Portugal é um país pequeno e que a região Norte é um pequeno território. Na verdade, é um território ligeiramente maior que três países europeus”, diz Freire de Sousa. E termina lembrando que de acordo com o 7º Relatório da Coesão, de todos os países do Sul da Europa, o Norte de Portugal foi mesmo a única região que apresentou uma tendência de convergência com a média europeia, e apresentou sinais positivos em vários indicadores.

Acabou a dar mais sustentabilidade à ideia de van Nistelrooij, que insiste que o caso da região Norte é um daqueles que merecia que lhe fosse aplicada a ideia do holandês - “be proud, speak loud”. Este poderia ser também o lema do movimento que Nistelrooij criou em 2016, com mais oito eurodeputados, para combater o crescimento dos eurocépticos. O Movimento “Let the stars shine” procura chamar a atenção para o que de positivo a integração europeia tem trazido aos países que a compõem e defende que os cidadãos devem perceber que a Europa lhes melhorou a vida. É para isso que servem os fundos europeus, e, por maioria de razão, os Fundos de Coesão que, entre os Estados-membros ainda são distribuídos por 15 países.

Nistelrooij esteve em Portugal a chefiar uma delegação da Comissão de Desenvolvimento Regional do Parlamento Europeu, que durante três dias visitou projectos no Norte do país onde os fundos estruturais e de coesão são aplicados. A comitiva contou também com os deputados portugueses José Manuel Fernandes (Partido Popular Europeu), Miguel Viegas (Esquerda Unitária Europeia/Esquerda Nórdica Verde), e Liliana Rodrigues (do grupo Socialistas & Democratas), a eurodeputada que assumiu a ideia de escolher a região Norte e o distrito de Braga para verificar in loco como se aplicaram os investimentos comunitários. “Queríamos colocar o foco, nesta visita, na investigação e na inovação. E os exemplos conseguidos aqui, entre universidades e empresas, são notáveis”, explicou a eurodeputada madeirense. 

Van Nistelrooij explica que “lá na Europa” já conhecem os números e os resultados, mas que era importante conhecer as caras e os projectos. E cita casos, como o da Bosch, a multinacional alemã que só no último ano investiu três milhões de euros no seu centro tecnológico e criou mais 100 empregos; ou o do Laboratório Ibérico Internacional de Nanotecnologia (INL), um centro de investigação luso-espanhol que desde a fundação já investiu 120 milhões de euros, 80% dos quais provenientes de fundos comunitários. “É sempre melhor ver do que falar. E o que aqui vimos foram empresas muito conectadas internacionalmente. A Bosch criou emprego, recrutando profissionais nesta região, e envolveu-se com a Universidade para desenvolver tecnologia. O resultado é que agora estão à frente na tecnologia da condução automática. É a Europa que fica mais forte - não é só Braga nem é só Portugal”, argumenta, alargando o exemplo também ao INL, que tem investigadores de 32 países. 

Mas os resultados portugueses são ou não suficientes para convencer os países doadores de que vale a pena investir nos territórios da coesão? “Eu não olho só para quem está na linha da frente. O que eu sei é que um 'front runner' precisa de seguidores. E se eu olhar para uma Roménia ou Bulgária ou até para a Grécia, posso dizer-lhes que olhem para o Norte de Portugal para ver o que aqui conseguiram. Se não se tem ideia para onde se quer ir, pode-se gastar dinheiro em qualquer sítio. Mas o modelo no Norte é um bom modelo, e essa é a minha história”.

A forma como o próximo quadro plurianual vai afectar a Política de Coesão é a discussão que se segue. No actual quadro comunitário, Portugal tem atribuídos 25,8 mil milhões de euros. Na proposta do Parlamento Europeu, Portugal não terá cortes, e, a valores actualizados, receberá para o período de 2021-2027 cerca de 36 mil milhões de euros. A proposta da Comissão aplica um corte de 7% no envelope global, e quase 45% na fatia específica do Fundo de Coesão, ficando-se pelos 33 mil milhões de euros. 

O eurodeputado do PCP Miguel Viegas diz que deve ser o Governo, usando o seu poder de veto no Conselho, quem deve ter uma posição firme e não aceitar cortes. José Manuel Fernandes, eleito pelo PSD, e que também é relator na comissão de orçamentos do Parlamento Europeu, insiste que para além da posição firme que devia ter o Governo na Europa (“Não se tem feito valor do acordo que assinou com o PSD, e que lhe devia dar força”, critica) diz que também não deve ser permitido que, em Portugal, haja cortes nos programas regionais para reforçar os programas temáticos, “todos geridos centralmente, a partir de Lisboa”.

Essa foi a principal preocupação deixada pelos representantes das universidades públicas portuguesas - Minho (UM), Trás-os-Montes e Alto Douro (UTAD), Aveiro (UA) e Beira Interior (UBI) - que também se reuniram com a delegação de eurodeputados. Ouviram-se preocupações sobre os concursos que vão ser lançados ("Não esquecer que é preciso avisos para renovar equipamentos", lembrou o vice-reitor da UP, Pedro Rodrigues). Ouviram-se relatos dos efeitos positivos que tem a continuidade de programas como o Horizonte 2020, em que as universidades portuguesas conseguiram bons resultados, em ambientes muito competitivos, ou do programa Erasmus. Ouviram-se preocupações sobre o facto de não haver igualdade nessa competição, quando há universidades na Europa com propinas e outras não, como lembrou Luís Castro, vice-reitor de Aveiro. 

Rui Reis, vice-reitor da Universidade do Minho e anfitrião do encontro, deixou bem clara qual é a grande preocupação assumida pelo Conselho de Reitores: que os dinheiros definidos para o próximo quadro comunitário não fiquem realmente alocado nos programas e nos projectos para que foram previamente decididos. Emídio Gomes, que esteve na reunião enquanto vice-reitor da UTAD, mas que até 2016 foi o gestor do Programa Operacional do Norte, pediu aos deputados que se preocupem com o facto de que os fundos, sobre os quais vão decidir, se apliquem realmente na região para onde são destinados, em vez de irem para infra-estruturas em regiões centrais. 

Foi a eurodeputada alemã, Constanze Krehl (do grupo Socialistas & Democratas) quem lhes respondeu que esses assuntos têm de ser discutidos com os governos centrais. Lambert van Nistelrooij também não quis alimentar a discussão sobre se são necessárias, ou não, mais infra-estruturas. E podia ter citado o vice-reitor da UBI, José Páscoa, quando este lembrava que a região que representa perde por ano 1% dos seus residentes, enquanto a Universidade cresce a dois dígitos todos os anos. "As empresas vão para onde houver massa crítica. Essas são as verdadeiras 'infra-estruturas' com que se têm de preocupar". 

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