A História bate o Português e a Matemática

A depreciação da História advém do baixo valor de mercado das Ciências Sociais e Humanas e essa mensagem é clara quando chegamos ao ensino secundário.

Desengane-se quem acha que os rankings definem, tão só, hierarquias de escolas, pois as disciplinas são igualmente seriadas, dando-se visibilidade às que têm piores resultados. E, como as classificações dos exames nacionais já tinham dado a conhecer, a História foi a disciplina que superou o Português e a Matemática quanto às más prestações dos alunos. Registou uma das maiores quedas, oito pontos, passando dos 10,3 valores médios no ano de 2017 para os 9,5 em 2018, valor que, aliás, também se tinha registado em 2016. Uma breve análise do histórico da disciplina desde 2014 mostra-nos um quadro de valores médios entre os 9,5 e os 10,5. Esta é a narrativa dos factos e contra factos não há argumentos. Mas essa mesma História ensina-nos o quão necessário e importante é analisarmos e compreendermos o que aconteceu: os fatores na origem destes fracos resultados e os respetivos contextos. Só assim poderemos aprender com os erros do passado e evitar que esta história se repita. Neste exercício de tentativa de entendimento, deparei-me com uma teia de múltiplos fatores:

  1. A desvalorização da disciplina ao longo das últimas décadas, por parte das diferentes equipas ministeriais que têm tutelado a Educação, que nas suas revisões curriculares relegam a História para uma posição de segunda linha, por abrirem caminho à redução dos tempos letivos. Dos 150 minutos por semana que tínhamos para trabalhar com cada turma em 2002 temos, nos dias que correm, situações de apenas 90 minutos. Por outro lado, as turmas tornaram-se mais numerosas e inclusivas, os alunos mais exigentes (por múltiplas razões), os programas extensos e os projetos interdisciplinares mais regulares e obrigatórios. Mesmo se pensarmos, teoricamente, que as Aprendizagens Essenciais, em vigor desde o início deste ano escolar, aliviam a densidade dos programas do 2.º e 3.º ciclos ao definirem um conjunto de objetivos mínimos, na prática, pouco se altera. Porque as Aprendizagens Essenciais são retalhos tão avulsos que obrigam cada professor a dar-lhes consistência, sob pena de uma formação pobre e deficiente. À boleia deste simplex de conteúdos e do Projeto de Autonomia e Flexibilidade Curricular (PAFC), a liberdade que cabe a cada escola na gestão curricular tem levado a uma série de experimentalismos, como a “semestralização” da História, o que significa um apagão da disciplina durante uns meses do ano letivo, até um novo reencontro no ano seguinte. Mas, nestas coisas, cada escola terá a sua história para contar, porque, se a cada cabeça sua sentença, a verdade é que, fruto da própria importância que a sociedade não atribui à História, a disciplina tem sido duramente atingida pela “má-fé” das escolas, segundo a Associação de Professores de História (APH). Depois de ter alinhado com o Ministério da Educação na composição das Aprendizagens Essenciais, a APH sentiu-se traída pelo dito, que não assegurou no quadro do PAFC os tempos mínimos para a disciplina (seis no 2.º ciclo e nove no 3.º). Começou por incitar os professores a fazerem pressão nas suas escolas para que não fossem roubados e lançou uma petição para a reposição dos tempos letivos. E assim vamos andando sem rei nem roque.
  2. Da redução dos tempos letivos decorre a enorme dificuldade num trabalho continuado e consequente de desenvolvimento de capacidades e competências: análise e interpretação de textos, imagens, gráficos, mapas; reflexão, debate, promoção do pensamento crítico e sistematização da informação, entre outras. Este é um trabalho fundamental e com o qual a História acrescenta muito valor ao currículo, a par do vasto e variado espetro de conhecimentos de política, cidadania, economia, arte, culturas, ciência... Pena é que nem a sociedade, nem o ministério, nem as escolas construam um percurso curricular humanista, de verdade. Quantos pais ficarão muito aflitos se os seus filhos tirarem negativa a História? A reação é a mesma quando se trata do Português ou da Matemática, do Inglês ou das Ciências? A depreciação da História advém do baixo valor de mercado das Ciências Sociais e Humanas e essa mensagem é clara quando chegamos ao ensino secundário.
  3. Num comentário aos bons resultados a Português de uma escola, uma jornalista destacava a curiosidade de aqueles alunos terem optado pelo curso de Ciências. Na sua lógica, imagino, faria mais sentido terem seguido a área das Humanidades. Esta é uma realidade que há muito desapareceu. Os fracos índices de empregabilidade que esta área científica oferece têm vindo a definir um perfil do aluno das Humanidades: um aluno que fez o ensino básico com dificuldades, aterrou ali, em fuga à Matemática ou à Química, ou porque até já experimentou outras áreas, como a Economia ou as Artes, e não se deu bem; não tem perspetivas do que pretende seguir na faculdade (embora saiba que quer lá andar), muito menos num emprego. Estes erros de casting degeneram depois em maus desempenhos e em maus resultados. Os 12 anos de escolaridade obrigatória têm levado para as Humanidades alunos fracos do ensino básico. Sobra-lhes o curso de Humanidades. Claro que há outras vias de prosseguimento de estudos, mas somos um país de doutores e engenheiros, e claro que há também alunos que escolhem as Humanidades por vocação, que se empenham e trabalham para atingir os seus objetivos e que contrariam o ciclo das más notas, embora seja um número cada vez mais reduzido.
  4. No ensino secundário, a História alimenta-se, aula a aula, daquele trabalho de competências ou capacidades, referido acima, pressupondo que o aluno já traz alguma metodologia e uma bagagem de conhecimentos e aptidões não só de educação histórica, mas também ao nível da língua portuguesa, fundamentais à abordagem desenvolvida e aprofundada de conteúdos, que começam na Grécia Antiga e terminam no início do nosso milénio, num quadro inteligível e crítico do mundo que nos rodeia e que escapa aos milhares de jovens deste país que não está nas Humanidades. Por isso, e face ao que já expus, o típico aluno de Humanidades sente um choque grande perante o desfasamento entre a exigência do que lhe é pedido e a sua capacidade ou a sua vontade de resposta. Considerando que chegou ali sem saber bem porquê, atingir os mínimos é suficiente ou, noutra linguagem, “já é bom”.
  5. Acontece que, no ano letivo 2017/2018, a subjetividade na formulação de algumas questões e a desproporcionalidade de valores atribuídos às perguntas de resposta imediata e simples relativamente às de resposta de análise e desenvolvimento desvirtuou o trabalho de professores e alunos. Naturalmente que um aluno do ensino secundário deve ser capaz de responder a qualquer tipo de questão, contudo, a diferença de um valor entre uma pergunta de escolha múltipla e a pergunta de maior desenvolvimento é, a meu ver, um erro grosseiro ao nível das ponderações de classificação.

Estes parecem-me ser os principais fatores que explicam o posicionamento da História no ranking das disciplinas, e que permitem constatar que, se há fatores mais antigos, há outros de um passado bem recente que nos provam que não se olha para trás, não se procuram explicações para o que se passa e os atropelos sucedem-se. O que fazer? Caberá aos decisores políticos a tomada de consciência do que se tem feito, a coragem e a vontade para resolver a fundo esta situação (e tantas outras) na Educação, revertendo decisões altamente prejudiciais para os alunos e para o país, em última análise. De que adianta fazer propaganda de um Perfil de Aluno para o Século XXI repleto de competências-chave e desígnios, perfilhados também pela História, quando a mesma é permanentemente desvalorizada no ensino básico e no secundário? Assim, temos uma História condenada a repetir-se.

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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