No Capim Dourado serve-se à mesa um Brasil moderno

Este restaurante do Porto traz à cidade um ambiente tropical em contexto elegante e cuidado. A cozinha é criativa, com vínculo à gastronomia do país, e tem interpretações contemporâneas e recheadas de técnica.

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Nelson Garrido
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Transformada nos últimos tempos numa Babel gastronómica cosmopolita, a Rua de Cedofeita, no Porto, viu chegar recentemente um restaurante de inspiração brasileira que rompe com aquilo a que estamos habituados. Menu brasileiro, sim, mas com vínculo à gastronomia do país, em interpretação contemporânea e recheada de técnica.

Nada, portanto, que tenha a ver com os rodízios, espetadas, picanhas ou outros folclores gastronómicos a que nos habituaram como sendo imagem do país irmão.

Também a decoração é elegante e sofisticada, se bem que fresca e acolhedora, também ela a mostrar a faceta moderna que é a imagem da classe média-alta daquele país gigantesco onde, como é sabido, estas coisas das classes e estratos sociais ainda são ainda uma ferida por sarar. 

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Não sendo longa, a carta permite, contudo, uma viagem elucidativa da diversidade gastronómica do país, com propostas que além das receitas percorrem toda uma panóplia de produtos representativos da cozinha brasileira. Da carne de sol à galinha caipira, da tapioca e mandioca à castanha do Pará, frutos e condimentos indígenas.

Para começar, os “tira gosto”, com sete propostas que incluem dos croquetes de mandioca e carne seca (4€/3 unidades) ao aromático bolinho de arroz, com bacon, queijo curado e barbecue de goiaba (5€/6 unidades). Servidos em elegantes e cuidados empratamentos, logo se vê que as doses são generosas e convocam ao espírito de partilha.

Provou-se o carpaccio de carne de sol (9€), com agrião e delicados pickles de kiwi, dadinhos de tapioca (4€/6 unidades) para envolver num agridoce de geleia de maracujá, e também os croquetes de mandioca e fios de carne seca, de confecção e sabor exemplares e a destacar a qualidade e superior nível de cozinha.

Há ainda dois “caldos” - um de feijão preto com couve mineira e bacon, o outro de bacalhau com mandioquinha e ervas – e também três sugestões “da horta” com o propósito de contemplar opções vegan e vegetarianas. Numa delas combina-se cogumelo shitake, caju e arroz de coco; noutra, queijo, farófia de milho e banana, enquanto a “salada amazonas” combina queijo coalho, tomatinho, quiabo, quinoa e um vinagrete de laranja. Ao rigor e apuro das combinações junta-se sempre o cuidado na apresentação.

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O cozinheiro, foi explicado, tem nome e currículo na moderna e qualificada restauração da capital carioca, e terá mesmo chefiado a cozinha do Eleven Rio, no tempo em que Joachim Koerper por lá se aventurou.

“Do Mar”, a moqueca de maracujá, com peixe, camarões e o complemento de arroz de castanha do Pará, é servido em dose dupla (29€) mas capaz de satisfazer ainda mais alguém. Não só pela quantidade, mas sobretudo pelos sabores e apuro do conjunto, com o naco de pescado em ponto de cozedura imaculado. Peixada no leite de coco (13€), com arroz de pimentos e farofa de milho, e bobó de camarão com arroz de coco (34€/2 pessoas) completam a curta oferta marinheira.

 É “Da Fazenda” que o cozinheiro apresenta o cabrito, frango e carnes que demonstram o conhecimento que tem já daqueles que são os bons produtos cá da terra. A “galinha caipira” (14€), é servida com arroz e quiabos crocantes, o “bode cheiroso” apresenta o cabritinho com legumes, cuscus de ervilhas e cebola roxa, enquanto na “vaca atolada” a costeleta de bovino é coberta por um creme de mandioca e farofa de banana.

Provou-se, aqui, a carne de sol (20€), em aprimorada execução culinária que a deixou tenra, húmida e saborosa.

Também expressão da moderna cozinha brasileira com base em receituário tradicional, as propostas de sobremesa parecem ficar a perder no confronto com o fôlego e qualidade da execução culinária das restantes propostas.

Quanto aos vinhos, as propostas são concisas mas com uma rara qualidade para conseguir um assertivo leque de opções abrangendo quase todas as regiões. Espumantes e Porto incluídos.

A par da função de restaurante, que cumpre com critério e rigor, o espaço proporciona também uma lógica informal de partilha e ambiente de bar, com proposta alargada de caipirinhas e cocktails de inspiração tipicamente brasileiros, coisa que parece ter boa aceitação e ser do agrado da clientela.

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A sala, em disposição longitudinal, e mobiliário elegante e descontraído, a isso conduz, com o atractivo extra do generoso terraço interior que parece bem convidativo para quando o tempo se apresentar de feição.

Num contexto de cozinha criativa e de apuro técnico, o rigor culinário e a apresentação cuidada destacam-se igualmente, mostrando a face mais contemporânea e elaborada da cozinha típica mais representativa do Brasil.

E, tal como o capim dourado que dá nome ao restaurante, é a partir das coisas simples que oferece a natureza e da tradição do povo que se constrói uma cozinha sofisticada, elegante  e bem convidativa. Também assim acontece com o capim cor de ouro que cresce selvagem lá no Parque Natural do Jalapão, estado de Tocantins. Trabalhadas com técnica e rigor, as palhas secas e brilhantes são criteriosamente manuseadas para construir perfeitas peças de joalharia. É assim que decoram as paredes deste convidativo restaurante. Por si, até já justificariam a visita, mas é bem mais o que há para ver e saborear com a cozinha contemporânea de inspiração brasileira que por aqui se oferece.

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