Almoço em Antuérpia

O leitor André Almeida Paiva partilha a sua experiência na cidade belga.

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Havia várias ruas que andávamos às voltas para encontrar restaurante onde almoçar, e o estômago andava aos nós. A bem dizer, a fome podia ser resposta mascarada, visto que a manhã viera carregada de nuvens ventosas num prenúncio de chuva, e uma certa decepção turística reclamava por um assento para descansar as pernas. Por isso, e como o quiosque das batatas fritas era caro, e as soluções circundantes ofereciam comida de rápida confecção e degustação, entrámos num restaurante de esquina, com quadro de lousa a expor preços e alguns nativos à mesa.

Ambiente mal iluminado, no interior, mesas quase todas alinhadas com as janelas, balcão central enfeitado de copos e marcas de cervejas. Perguntámos pelo prato do dia e sentámo-nos. Nessa altura um de nós desbravou conversa.

– Ainda não captei a textura da cidade: essa tal ambiência que caracteriza um local.

– Desconhecia esse termo. 

– Ambiência?

– Também não gosto de utilizá-lo: possui um excesso qualquer, parecido ao das loiças da Art Nouveau. Pedimos três cervejas?

Rimo-nos. E outros assuntos foram aterrando sobre a mesa, e as cervejas belgas, artesanais, deixaram a espessura do álcool na boca, e a cabeça enlevou-se ligeiramente.

– À tarde, que fazemos?

– Eu gostava de entrar na catedral – é o gótico no seu esplendor!

– Vi que havia uma exposição de Rubens em exibição lá dentro.

– Alinho. Depois seguimos em direcção à zona da marginal, para ver o mar, e pelo caminho passamos por aquela praça emblemática com a fonte de Brabo e as casas com os telhados em escadinha.

– Mas o que é facto é que se está muito bem aqui. 

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Veio o prato principal, um naco de novilho acompanhado de salada e das famigeradas batatas; a cerveja combinou de modo soberbo com a mastigação. Depois, desembrulhámos um mapa da cidade.

– Também há o Museu de Arte Moderna de Antuérpia. Fica junto a este braço de água.

– E há uma igreja jesuítica num bairro mesmo aqui ao lado. 

– Que é claramente um edifício demasiado mediterrânico para uma cidade da Flandres…

– E se pedirmos outra cerveja?

Provámos uma “âmbar” e depois uma “ruiva”.

Entretanto acabámos de almoçar, o céu destapou-se e a esplanada foi-se substituindo em pessoas.

– Continuo a achar que o melhor roteiro a seguir é este, em direcção à zona portuária.

– Só percorrendo as ruas de uma cidade é que a vivemos. É como uma intuição.

– Mas já não passamos pelo museu?

– Que horas são?

Dali a uma hora e meia chegaria o comboio de regresso. Enquanto não vinha a conta estudámos o mapa uma vez mais, avaliávamos a beleza cidade pela qualidade da brochura, propusemos e sugerimos e discordámos – experimentámo-la através do seu desenho turístico. A conta recuou para vir mais um prato de batatas fritas, e a tarde desmanchou-se em noite. Pagámos, saímos, e percorremos a mesma avenida em obras, em tudo rua banal de cidade, mas preenchida por mais bicicletas do que o usual. 

– O comboio está a chegar. 

– Dificilmente voltaremos aqui nos próximos tempos…

– O sabor deste dia, todavia, parece-me agora aflorar, como o daquelas comidas em que o travo só vem no fim. 
 
E para todos os efeitos, acabáramos de almoçar… 

André Almeida Paiva

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