O fim da história da “equipa mais pobre da China”

Yanbian Funde foi extinto por acumular impostos em dívida. Clube que foi campeão chinês em 1965 representava a fatia etnicamente coreana da população

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Os adeptos do Yanbian Funde sentem-se “traídos” DR

Começou mais uma edição da Superliga chinesa, e para daqui a uma semana está marcado o arranque do segundo escalão, mas pela primeira vez em mais de uma década não haverá um nome histórico a competir nas provas profissionais. Seria precisamente na segunda divisão que ia estar o Yanbian Funde, mas o clube foi extinto a poucos dias do início da temporada, por causa de montantes consideráveis de impostos em dívida. Para além do sentimento de orfandade desportiva dos adeptos, o desaparecimento é uma machadada na identidade muito particular de uma região.

Yanbian, no nordeste da China, tem o estatuto administrativo de prefeitura autónoma coreana – isso mesmo, coreana, porque a sua localização na fronteira com a Coreia do Norte forjou uma ligação histórica. Um terço da população identifica-se etnicamente como coreana, ao ponto de tanto o mandarim quanto o coreano serem línguas oficiais na região. A equipa de futebol do Yanbian Funde era uma bandeira dessa identidade, tendo recorrido ao longo dos anos a treinadores e futebolistas coreanos. Do norte e do sul.

O actual seleccionador da Coreia do Norte, Kim Yong-jun, passou pelo clube enquanto jogador, alguns anos antes de ser um dos convocados da selecção norte-coreana para o Mundial 2010. Mas também jogaram no Yanbian Funde uma mão-cheia de internacionais sul-coreanos, e vários treinadores da Coreia do Sul orientaram a equipa nos últimos anos.

Tal como outros emblemas, o Yanbian Funde teve várias encarnações. A designação pela qual era agora conhecido juntava ao nome da região o nome da empresa que era detentora da maioria do capital, a Funde. Mas o clube já tinha sido Yanbian Baekdu, o nome de uma montanha (também conhecida como Paektu) na fronteira da China com a Coreia do Norte, considerada sagrada pelos coreanos. A sua maior conquista, no entanto, aconteceu quando era conhecido como Jilin FC – o nome da província da qual faz parte a prefeitura de Yanbian.

Recorrendo à diáspora coreana na região, o Jilin FC formou em 1955 uma equipa para participar na Liga chinesa. E uma década depois colhia os frutos: o clube sagrou-se campeão, conquistando o único grande título da sua história. Mas a história impediu que o troféu de 1965 tivesse continuidade, por pouco tempo depois a Revolução Cultural provocaria a interrupção das competições chinesas de futebol, que só voltariam a disputar-se em 1973.

O recomeço significou para o clube o início de longos anos de altos e baixos, a oscilar entre a primeira e a segunda divisão. Em 2014 a queda para o terceiro escalão esteve muito perto de tornar-se realidade, mas o emblema de Yanbian, que tinha terminado o campeonato em último lugar, beneficiou da desistência de três clubes no final da competição para permanecer na segunda divisão.

Era uma segunda oportunidade para o clube, que em 2015 surpreendeu tudo e todos ao vencer a segunda divisão, garantindo a subida à Superliga chinesa. Subitamente, o clube dos chineses etnicamente coreanos convivia nos relvados com figuras como Hulk, Jackson Martínez e outros craques mundiais. Apesar de sentir-se “o clube mais pobre da China”, definição dada na altura pelo avançado Sun Jun (o orçamento era uma fracção do dos adversários), o Yanbian também teve os seus reforços – sobretudo sul-coreanos – e terminou essa temporada num honroso nono lugar.

A época seguinte não correu tão bem, o Yanbian Funde foi penúltimo e desceu à segunda divisão. E em 2018, apesar de ter sido décimo no segundo escalão, viu chegar ao fim a sua história. Segundo a imprensa chinesa, o clube devia 240 milhões de yuans (cerca de 31,5 milhões de euros) em impostos e a Funde não queria assumir a responsabilidade por essa dívida.

“Estou muito desapontado, sinto-me traído. O Yanbian Funde enquanto equipa combinava harmoniosamente coreanos e outros grupos étnicos, o que era muito importante para os adeptos e para a população local”, sublinhou Jin Bo, presidente de um grupo de adeptos do clube, citado pela agência AFP. “A nossa associação também vai ser extinta, porque perdeu a razão de ser, e não vamos apoiar outros clubes”, concluiu. Agora restam as memórias.

Planisférico é uma rubrica semanal sobre histórias de futebol e campeonatos periféricos

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