Free Solo: a subida sem cordas (e com som) à “rocha mais impressionante da Terra”

Documentário sobre o percurso de Alex Honnold até à subida do El Capitan, nos Estados Unidos, venceu esta semana o Óscar de melhor documentário. Na equipa de pós-produção de Free Solo estiveram dois portugueses.

Fotogaleria
Alex Honnold no El Capitan National Geographic
Fotogaleria
National Geographic
Fotogaleria
National Geographic
Fotogaleria
National Geographic
Fotogaleria
National Geographic
Fotogaleria
National Geographic
Fotogaleria
National Geographic
Fotogaleria
A equipa que filmou o documentário incluia escaladores National Geographic
Fotogaleria
Muitos dos escaladores eram amigos de Alex Honnold National Geographic
Fotogaleria
O escalador passa grande parte da sua vida numa carrinha National Geographic
Fotogaleria
National Geographic
Fotogaleria
Alex Hoonl faz apontamentos durante a preparação da escalada National Geographic
Fotogaleria

Quando se começa a ver o documentário Free Solo, já quase toda a gente sabe o final: pela primeira vez, Alex Honnold consegue escalar os mais de 900 metros do El Capitan – uma formação rochosa de granito no Vale de Yosemite (EUA) – em free solo, ou seja, sem a ajuda de cordas, parceiros ou equipamentos de protecção. Embora já pareça suficiente, é impossível resumir Free Solo apenas assim. Este documentário de 1h40 – que recebeu um BAFTA e um Óscar – é sobre a intensa preparação física e mental do escalador norte-americano para alcançar um objectivo que parecia impossível. Em Portugal, estreia-se a 17 de Março no canal National Geographic às 22h30. Antes, vai estar a 11 de Março no Cinema São Jorge (Lisboa) e a 12 de Março no Cinema Trindade (Porto), mas ambas as sessões já estão esgotadas.

No início do documentário ouve-se o som de aves e de Alex Honnold ofegante enquanto escala o El Capitan, a “rocha mais impressionante da Terra”. Mas se o escalador está naquele momento a subir aquela parede, o caminho para que tal acontecesse começou bem antes. “Para ser sincero, a minha preparação começou há 23 anos”, disse numa conversa com jornalistas (incluindo o PÚBLICO) na apresentação do documentário em Londres.

Se recuássemos à infância de Alex Honnold, encontraríamos uma criança tímida, mas também poderíamos ver o início do seu percurso: começou a praticar escalada aos dez anos num ginásio em Sacramento, na Califórnia. Passou a fazer escalada no exterior de forma mais intensa depois dos 19 anos. E, mais tarde, encontrou no free solo uma forma de expressão. “A verdade é que, quando comecei a fazer escalada no exterior, era demasiado tímido para ir ter com estranhos no penhasco e perguntar-lhes se gostariam de me segurar na corda”, revela no livro Alone on the Wall (Pan Books, 2016). Um dos momentos altos da sua carreira aconteceu em 2008 quando se tornou o primeiro escalador a subir em free solo a escarpa de arenito Moonlight Buttress no Parque Nacional de Zion, nos EUA.

Vida na carrinha

Um anos depois conheceu Jimmy Chin – um dos realizadores do documentário e também escalador. Foram colegas de escalada e Jimmy Chin tirou-lhe fotografias que viriam a ser capa do seu livro e de revistas. Depois de terminar o seu anterior documentário (Meru, 2015), o co-realizador e Elizabeth Chai Vasarhelyi – co-realizadora – tiveram a ideia de fazer o Free Solo. “Estávamos interessados no Alex como personagem”, assinalou Elizabeth Vasarhelyi em Londres. “Além da sua aptidão atlética, ele tem um quociente de inteligência incrivelmente elevado”, acrescentou Jimmy Chin. “Um escalador profissional tem de calcular os riscos e o Alex consegue calculá-los, assim como consegue compreender as suas próprias capacidades de forma objectiva.”

Foto
Subir o El Capitan em free solo era um grande objectivo para Alex Honnold National Geographic

Quando falaram da ideia a Alex Honnold, o El Capitan era já um objectivo para o escalador, como conta no livro: “Quais são os desafios que deverão inspirar-me num futuro próximo? Há anos que toda a gente me fala no primeiro free solo no El Cap.” Mesmo assim, o casal de realizadores pensou nas questões éticas envolvidas no projecto. “Como podemos mitigar os riscos? Como nos sentiríamos se o pior acontecesse? Tivemos de colocar essas questões porque, de outra forma, não poderíamos avançar com o filme”, conta Elizabeth Vasarhelyi. Mas, acima de tudo, avançaram porque confiavam em Alex Honnold.

Para o escalador, subir o El Capitan “era o mais óbvio” e uma questão de preparação mental e física: “Quanto mais preparado estiver fisicamente, mais confiante ficarei”, explica. “Nos últimos dois anos tive uma preparação final para esta subida, mas isto é o resultado do meu treino durante mais de 20 anos.”  

Actualmente, a vida de Alex Honnold é dedicada à escalada. “Como passa os seus dias?”, perguntaram os jornalistas. “A escalar. Escalo mesmo muito.” Ao longo deste documentário da National Geographic, além de vermos os treinos no El Capitan, testemunhamos que essa preparação é transversal a toda a sua vida quer seja no tempo que passa na sua van ou na sua dieta maioritariamente vegetariana.

Foto
Alex Honnold vive grande parte da sua vida numa van National Geographic

Mas este rapaz (agora com 33 anos) solitário, tímido e que só pensa em escalar, vive uma história de amor com Sanni McCandless que conhece durante as apresentações do seu livro, enquanto gravava Free Solo. “Aconteceu algo extraordinário a este miúdo que fazia do free solo a sua vida”, constata Elizabeth Vasarhelyi, frisando que não foi fácil tomar a decisão de filmar este romance. “Uma namorada no filme é uma namorada para sempre, mas tínhamos de ser neutros e captar o que estava a acontecer”, adianta Jimmy Chin. Agora, a realizadora diz que tomaram a decisão certa: “Eles têm química e ainda continuam juntos. A Sanni é emocionalmente inteligente e capaz de o puxar para cima de uma forma única.”

Foto
O escalador com a namorada National Geographic

O grande dia

A primeira tentativa do escalador subir a face sudoeste do El Capitan – percurso conhecido como rota de Freerider – em free solo foi em Novembro de 2016, mas acabou por desistir. “Durante uma semana, isso foi muito decepcionante e afectou um pouco a equipa”, reconhece. “Mas nunca me senti um falhado nem que não o conseguiria fazer para o resto da minha vida.” Alex Honnold justifica ainda que em Novembro, além de estar frio, tinha uma lesão no tornozelo.

O grande dia acabou por acontecer sete meses depois: a 3 de Junho de 2017, durante a Primavera – quando as temperaturas estavam mais estáveis – e tinha melhorado da lesão. “O Alex não nos disse nada até às 17h do dia antes de ter feito [a subida]. Basicamente, ligámos para a equipa e montámos tudo durante a noite. Acho que dormimos menos de duas horas”, recorda Jimmy Chin. “Mas tínhamos praticado dois anos até àquele momento. Sabíamos exactamente o que tínhamos de fazer”, aponta Elizabeth Vasarhelyi. 

A derradeira subida de Alex Honnold pode ser “stressante” para o espectador: afinal, há sempre a possibilidade de ele poder cair ou desistir. Mesmo assim, nota-se que o escalador está calmo. “Estava completamente concentrado. Nas secções mais fáceis [o El Capitan tem 30] ainda conseguia olhar para a paisagem daquela manhã bonita de Primavera, mas a maior parte do tempo estava concentrado.” Sente-se a satisfação de Alex Honnold quando ultrapassa certos obstáculos, como o Boulder Problem, a secção “mais difícil” da subida, em que teve de fazer um pontapé de karaté. “Era a parte mais difícil e quando a ultrapassei sabia que estava mais perto do fim”, lembra. Quando chegou (finalmente) ao topo, andou feliz de um lado para o outro e telefonou a Sanni McCandless.

Agora, durante a “digressão” que tem feito para apresentar o documentário, tem enfrentado uma grande questão: não tem medo de morrer? “Tenho medo de morrer, mas tive dois anos de preparação para esta subida: para não ter medo de morrer tive de me preparar muito bem”, conta o escalador, que já teve amigos que morreram a fazer escalada. “O medo é uma resposta do corpo e deve avisar-nos do perigo. Já faço free solo há muitos anos e tenho uma grande noção de medo. Acho que os meus medos são racionais.”

Durante o documentário, mostra-se uma imagem de ressonância magnética da sua amígdala (parte do cérebro que processa o medo) e refere-se que não é estimulada de forma normal. O escalador diz que talvez tenha uma resposta inferior às outras pessoas porque passa demasiado tempo a “testar” o medo.

Foto
Alex Honnold conseguiu subir o El Capitan em free solo em quase quatro horas National Geographic

“Quem vir o Free Solo pode achar que é perigoso, mas se conduzir sábado à noite e estiver bêbado já diz que é normal. Este é um risco muito comum que as pessoas estão sempre a correr: é um produto do seu estilo de vida. Em relação aos riscos que corro, sou eu que os escolho e preparo-me o mais que posso. Acho que esta é uma abordagem saudável do risco.”

No estúdio em Lisboa

Vencedor do Óscar e BAFTA de melhor documentário (além de outros prémios), o Free Solo tem dois ingredientes que o diferenciam, segundo Jimmy Chin. “O free solo é a forma mais pura de escalada é considerada a forma budista da escalada porque requer o mais alto nível de disciplina mental”, indica o realizador, que também pratica este tipo de escalada. Já “O free solo é a forma de escalada mais fácil de compreender. Não é preciso ser escalador para perceber a sua dimensão”, observa por sua vez Alex Honnold, referindo que os seus amigos escaladores fizeram boas críticas ao filme.

Foto
Os realizadores e o escalador nos Óscares Mario Anzuoni/Reuters

A outra razão para o sucesso do filme é a técnica da equipa envolvida, considera Jimmy Chin, que destaca o contributo de escaladores nas filmagens, como o compositor Marco Beltrami ou a equipa de som, onde se incluem os portugueses Nuno Bento e Joana Niza Braga.

O trabalho dos dois portugueses consistiu no foley – gravação de efeitos sonoros complementares do filme – e foi feito remotamente a partir do centro de pós- produção Loudness Films, em Lisboa. “Esta é a minha menina”, apresenta-nos Joana Niza Braga a sua mesa de mistura na regie e vasculha no computador o projecto “Solo”. Mostra-nos ainda a sala de gravação ao lado da regie, onde Nuno Bento trabalhou.

Enquanto Nuno Bento (foley artist) criou vários elementos sonoros do filme usando de vários objectos “num contexto de performance ao vivo” no estúdio, Joana Niza Braga (foley mixer) era os seus “ouvidos” e captava o som por microfones. “Acabo por ser eu a guiá-lo. É como um realizador que dirige os actores.” E diz ainda a apontar para um ecrã onde passam imagens de outro projecto: “O objectivo é fingir que este som saiu dali.”

Foto
Nuno Bento DR

Sobre os sons que se destacam no Free Solo Joana Niza Braga assinala: “No filme, é de caras os toques muito concisos do Alex a agarrar na montanha. É muito difícil captar esse som e a verdade é que ele nos transporta para a realidade do filme.” Na sala de gravação, a foley mixer mostra-nos alguns objectos usados no seu trabalho: sapatos para o som de passos, uma luva com clipes para o das patas de um cão ou um ramo a partir-se para o de uma fractura de um osso. E que material destaca no Free Solo? Uma máquina de café para fazer uma cena em que Alex Honnold está com gesso.

Foto
Joana Niza Braga Teresa Niza Braga

E agora já pode dizer que trabalhou num filme que ganhou um Óscar: “Sinto que tive ali uma mãozinha. Mas, claro, os realizadores é que são os masterminds”, diz a sorrir Joana Niza Braga. Já Nuno Bento – que neste momento trabalha como freelancer – destaca: “Não sinto qualquer responsabilidade pelo Óscar de melhor documentário. Esse prémio e o devido reconhecimento têm de ser direccionados às pessoas que tiveram coragem e capacidade de planear e executar o filme. Estou no processo de pós-produção, quando o documentário chegou às minhas mãos já era uma obra extraordinária.”

Foto
Os realizadores Jimmy Chin e Elizabeth Chai Vasarhelyi National Geographic

Nuno Bento considera que o reconhecimento do seu trabalho no Free Solo está no Prémio Golden Reel, da Motion Picture Sound Editors, pelo trabalho de foley artist (Roland Vajs, que supervisionou o trabalho dos dois portugueses também consta neste prémio). Já Joana Braga ganhou o prémio do Cinema Audio Society atribuído à equipa de mistura. Além do trabalho técnico de toda a equipa na rodagem ou na pós-produção, Nuno Bento destaca a coragem, personalidade e força de vontade de Alex Honnold como fórmula de sucesso do documentário: “É uma obra absolutamente de tirar o fôlego.”

Para Elizabeth Vasarhelyi, há uma mensagem clara no Free Solo: “Este filme é sobre a intensidade da vida e sobre como podemos vencer os nossos medos. Se trabalharmos muito, podemos alcançar os nossos sonhos. Alex fez do impossível possível. Em tempos de ruptura e em que o mundo anda agitado, isto pode fazer a diferença e inspirar-nos.”

Quais serão os próximos desafios de Alex Honnold? “Ainda não sei. Depois de toda a promoção do filme, quero tornar-me um escalador a sério outra vez”, ironiza a rir. Ainda não decidiu se irá participar noutro filme. Afinal, desta vez, tudo foi especial: Alex Honnold queria mesmo subir o El Capitan em free solo e foram os seus amigos escaladores que o filmaram. “De vez em quando, lá me lembrava que estava a fazer um filme.” Para outro projecto deste género precisará de arranjar um novo motivo.

O PÚBLICO viajou a convite da National Geographic

Sugerir correcção
Comentar