Condenado a nove anos de prisão casal que punha filhos a mendigar

Crianças faziam-se passar por membros da "associação regional para os incapacitados surdos e mudos e para crianças pobres”, que nem sequer existe

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Enric Vives-Rubio

O Tribunal do Porto condenou nesta sexta-feira a nove anos de prisão um casal que punha os filhos a mendigar, fazendo-se passar por membros da inexistente "associação regional para os incapacitados surdos e mudos e para crianças pobres”​​. E a cinco anos e nove meses o homem que com eles trabalhava. “Quando a pessoa quer pedir, pede. Não engana. E, sobretudo, não explora menores”, disse o juiz Pedro Brito.

O casal, Ion H., de 37 anos, e Alina C., de 35 anos, ouviu, sentado num banco corrido a tradução em simultâneo que lhe foi sendo feita do resumo do acórdão. Ao seu lado, choroso, estava Tudoroi R., de 22 anos. Todos em prisão preventiva desde 15 de Novembro de 2017.  

Logo no princípio, o juiz esclareceu que a legislação portuguesa não proíbe a mendicidade e que nenhum deles fora acusado de mendigar, mas sim de usar quatro crianças em pequenos furtos e em falsos peditórios. Realçou também que ninguém veio à barra do tribunal dizer que “o cidadão romeno tem por hábito dedicar-se à prática de burlas ou que isso faz parte da tradição de alguma etnia”. O que estava em causa no julgamento era a conduta daquelas três pessoas em concreto. E sobre isso as escutas telefónicas e outras provas não deixaram dúvidas. “Só para dar um exemplo, há inúmeras escutas em que o senhor Ion lembra que mendigar é ‘o trabalho delas’”, salientou.

As crianças seriam iniciadas na actividade delituosa na pré-adolescência. O filho mais novo, que acaba de fazer 13 anos, não terá chegado a sê-lo. Os outros três – um rapaz, agora com 17 anos, e duas raparigas, agora com 16 e 19 – terão sido. Por isso, os pais foram condenados por três crimes de maus tratos em concorrência com a utilização de menores para mendicidade. E o terceiro arguido por três crimes de utilização de menores em mendicidade.

A situação arrastava-se desde 2011, com sucessivas queixas às polícias e sinalizações a comissões de protecção de crianças e jovens espalhadas pelo país. Em 2016, juntou-se-lhes uma rapariga, agora com 17 anos. E por isso foram condenados por um crime de tráfico de pessoas com intenção de obter lucro.

Desvalorizando o consentimento da mãe da rapariga e lembrado o recurso a documentos falsos e à retenção de documentos, o juiz explicou que o tráfico de pessoas não se esgota na compra e venda de pessoas, como muitas vezes se pensa. Comete tal crime “quem entregar, recrutar, aliciar, aceitar, transportar, alojar ou acolher pessoa com a intenção de submetê-la à exploração, nomeadamente a mendicidade”.

Aquando da detenção do casal, os quatro filhos e a rapariga que vivia com eles foram acolhidos de emergência numa instituição para crianças e jovens em perigo. Volvido pouco tempo, fugiram. Segundo o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras, “estão difundidos pelo Sistema de Informação dos países europeus do Espaço Schengen vários pedidos de localização judicial dos menores desaparecidos, por determinação do tribunal de família e menores”. Até agora, nenhuma informação foi partilhada com o Estado português sobre o paradeiro das crianças. Em Novembro de 2018, um alerta sobre estes jovens foi lançado pelo Governo francês para todas as polícias europeias – o que acontece quando existem suspeitas de estarem a ser exploradas por grupos criminosos, para fins laborais, sexuais, ou ainda para a mendicidade.

Com Ana Dias Cordeiro

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