Nem Maduro, nem Guaidó - soberania ao povo venezuelano

O Bloco de Esquerda tem afirmado que a saída para a Venezuela será a da soberania do seu povo, através de eleições gerais livres, e sempre pela via pacífica

Todos os dias nos chegam imagens de uma Venezuela num impasse. Guaidó aposta tudo numa gigantesca operação de propaganda para alcançar um poder popular que não tem, Maduro defende-se com uma legitimidade que radica na força militar do Exército. Pelo meio, o povo venezuelano parece ser mais uma vez peão dos alinhamentos internacionais que parecem trazer os posicionamentos de uma guerra fria que agora se quer requentar.

A história mundial já nos mostrou há muito que as riquezas naturais de um país ou região podem ser uma bênção ou uma maldição. No caso da Venezuela, libertou-se da maldição com a ascensão de Hugo Chávez ao poder por um mobilizado reconhecimento popular.

O dinheiro do petróleo venezuelano serviu, então, para tirar milhões da pobreza e combater as enormes desigualdades do país. Contudo, Chávez manteve a Venezuela refém do petróleo, sem diversificar setores produtivos, modernizar a economia ou os serviços públicos. A baixa internacional dos preços de petróleo expôs as fragilidades da petroeconomia e a maldição apareceu como a um castelo de cartas. A chegada de Maduro ao poder aprofundou as contradições e descaracterizou a “revolução bolivariana”, tomando por ideologia a retórica nacionalista e anti-imperialista e por legitimidade a corrupção na máquina do Estado e no exército.

A crise interna criou o contexto para que os EUA pudessem tentar fazer regressar a Venezuela ao seu quintal. Juan Guaidó foi o ator que aceitou o papel no guião escrito por Trump e, há um mês, autoproclamou-se presidente interino do país.

Desde esse momento, assistimos a uma mega operação mundial de propaganda para a qual devemos estar atentos. Tomemos por exemplo os acontecimentos do passado fim de semana, onde Guaidó apareceu na frente de um suposto comboio humanitário. Nas diversas reportagens ou notícias sobre os confrontos na fronteira, falou referir um facto fundamental: a chamada “ajuda humanitária” não o era. A Cruz Vermelha disse-o claramente: “para nós, não se trata de uma ajuda humanitária. Infelizmente, a primeira vítima do que está a acontecer é a palavra ‘humanitária’, porque é algo que não deve ser controverso, deve ser do interesse do povo”. A mesma posição foi afirmada pelas Nações Unidas (ONU).

De facto, alguém que esteja atento às ações de Trump e como tem sucessivamente atacado a ONU (até reduziu os financiamentos que os EUA fazem a esta instituição internacional) não compreenderia esta súbita preocupação humanitária. Aliás, o cinismo da “ajuda” é total pois os EUA são o principal promotor das sanções internacionais que tem ajudado a mergulhar a economia venezuelana no caos. Se estivessem realmente interessados na democracia e nos direitos humanos, a primeira coisa a fazer seria parar o bloqueio, que impede o acesso aos mercados externos.

A encenação da “ajuda humanitária” era apenas mais um pretexto para chegar mais perto de uma intervenção militar externa na Venezuela. Por isso, quando os estudos indicam que 92% dos venezuelanos são contra uma intervenção externa no país, podemos concluir que essa encenação de Guaidó e Trump foi um ato falhado. Mas, não significa que a ameaça deixou de estar presente.

O Bloco de Esquerda tem afirmado que a saída para a Venezuela será a da soberania do seu povo, através de eleições gerais (presidenciais e legislativas) livres e acompanhadas por observadores internacionais idóneos, e sempre pela via pacífica. Muito perto do que tem sido afirmado, por exemplo, pela ONU e António Guterres e por setores de esquerda da Venezuela que rejeitam o golpe de Guaidó e a repressão de Maduro.

Contudo, vários opinadores têm dificuldade em perceber esta posição que dá primazia à soberania do povo venezuelano, ficando-se pela visão redutora, simplista e grosseira, de reduzir esta situação à dualidade dos bons e dos maus, do “nós e eles”. De um lado, Vicente Jorge Silva, por exemplo, o que insultou como rasca a minha geração, fala da “crónica hipocrisia política”. Atoardas como quando ele propunha referendos para a independência da Madeira. Do outro lado, aqueles que calam perante a opressão de um povo e os atropelos à democracia. Brejnev ainda está à solta por aí.

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