Apollo pergunta a inquilinos se querem ser proprietários das casas que comprou à Fidelidade

Meritpanorama, uma das quatro subsidiárias da Apollo que adquiriram o ano passado portfólio imobiliário à Fidelidade em Portugal, enviou cartas a alguns arrendatários para averiguar do interesse em se tornarem proprietários. E diz que até já negociou uma linha de crédito

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Ex-Inquilina da Fidelidade recebeu carta de não renovação do contrato Daniel Rocha

A Meritpanorama, uma das quatro empresas subsidiarias da Apollo que em Julho e Agosto do ano passado comprou o portfólio imobiliário da Fidelidade, está a enviar cartas a alguns arrendatários para averiguar o interesse de estes comprarem as fracções em que habitam. De acordo com informações recolhidas pelo PÚBLICO, foram vários os moradores que receberam esta missiva, nomeadamente na freguesia do Dafundo, em Oeiras, mas também houve casos em Lisboa.

Fonte oficial da Apollo, a quem o PÚBLICO endereçou várias perguntas, limitou-se a responder que não iam ser prestados esclarecimentos nem efectuados comentários a nenhuma das questões. Entre as questões colocadas estavam as que se referiam ao número de propostas que foram feitas ou se já tinham sido concretizadas algumas transacções. Mas todos os esclarecimentos ficaram em branco.

O que transparece das cartas é que a subsidiária da Apollo está a tentar perceber a quem poderá vender alguns imóveis, ao mesmo tempo que continua a enviar cartas de oposição à renovação de contratos com a antecedência prevista pela lei. As cartas de não renovação dos contratos continuam a ser enviadas aos moradores. Sobretudo àqueles que não estão abrangidos pelo regime extraordinário e transitório para protecção de pessoas idosas ou com deficiência que sejam arrendatárias e residam no mesmo locado há mais de 15 anos, e que está em vigor até ao final do mês de Março. 

Linha de crédito "auxiliar"

Já na carta de auscultação sobre a aquisição dos imóveis, a Meritpanorama explica que está a ponderar registar alguns dos imóveis em propriedade horizontal, e será nessa sequência que gostaria de perceber se os arrendatários em causa considerariam “a possibilidade de eventualmente adquirir a casa”.

“Se decidir tornar-se proprietário, esta será uma fantástica oportunidade e, como arrendatário, permitir-lhe-á acordar um preço razoável sem as pressões de propostas concorrentes”, escreve a  Meritpanorama. E acrescenta que, estando “ciente dos custos e procedimentos inerentes à aquisição de um imóvel”, a empresa diligenciou junto de “uma instituição financeira uma linha de crédito (sujeita a aprovação de crédito) para auxiliar na aquisição do imóvel”. Na carta, a instituição financeira não esta identificada e a Meritpanorama acrescenta, ainda, que “naturalmente”, a aquisição do imóvel poderá “ser efectuada através de qualquer outra instituição”.

A Meritpanorama não se quer comprometer com nada e deixa isso bem claro no final da carta, referindo que tudo o que nela é mencionado “não poderá ser considerada como uma proposta de qualquer natureza”, nem constituir “qualquer garantia ao destinatário [da carta] ou terceiro relativamente ao seu conteúdo”. “Assim, a Meritpanorama não está obrigada a aceitar qualquer oferta que lhe seja dirigida, e reserva-se no direito de não entrar em negociações ou a terminar em qualquer momento as discussões no contexto desta carta”; termina.

Os moradores ficaram sem saber o que responder. “O envio desta carta só serve para confundir os moradores. Não se fala de valores, não se fala de datas, não se fala de nada. Há quem tenha escrito à Square [Assets Managment, a empresa indicada na carta como responsável pela gestão destes imóveis e que deveria receber as propostas dos inquilinos], mas também não tiveram resposta”, disse ao PÚBLICO uma das receptoras da carta, moradora no Dafundo, e que pediu para não ser identificada. Os arrendatários dizem-se “confusos” e com dificuldades em perceber a estratégia dos novos donos dos 271 imóveis comprados à Fidelidade em Agosto do ano passado. 

Direito de preferência em tribunal

O portfólio vendido pela Fidelidade Property foi justificado na altura como sendo feito numa transacção una e indivisível, e foi esse mesmo argumento que foi invocado aquando ao envio da informação aos arrendatários, imposta por lei, para eventual exercício de direito de preferência.

Em Junho, os inquilinos dos imóveis em propriedade horizontal foram avisados que só deveria exercer esse direito apenas pela totalidade dos imóveis - ou seja pelo valor total de 425 milhões de euros -, o que inviabilizou o exercício desse direito.

Foi a mesma resposta que teve a Câmara da Porto, que também tentou exercer esse direito em oito edifícios no centro da cidade. A autarquia do Porto intentou acções judiciais em relação ao exercício do direito de preferência sobre alguns imóveis da Companhia de Seguros Fidelidade, mas o processo ainda não está concluído.

A Câmara de Évora fez o mesmo, mas também não teve ainda resultados. Outros moradores estão a ver o tempo passar, e o prazo de seis meses que lhes permite tentar reverter judicialmente a operação de transacção também. 

Certo é que as mudanças à lei do direito de preferência que começaram por ser vetadas por Marcelo Rebelo de Sousa - precisamente na altura em que a Fidelidade e as subsidiárias da Apollo assinaram as escrituras - estão agora em vigor, e a venda de qualquer fracção que esteja arrendada terá de ser comunicada ao arrendatário

Ao que o PÚBLICO conseguiu apurar, há já muitas fracções que estão desocupadas, depois dos inquilinos não terem visto os contratos renovados. E as fracções que estavam vazias, assim permaneceram, mesmo depois de alguns moradores nesse mesmo prédio terem indagado da possibilidade de o arrendar. As quatro empresas subsidiárias da Apollo [a Meritpanorama, a Fragrantstrategy, a Notablefrequency e a Neptunecategory] invocaram o código do IMI que lhes dá insenção do pagamento do imposto municipal sobre transacções por estarem a adquirir imóveis para revenda. O PÚBLICO não soube de nenhum caso em que já tivesse havido nova venda. E também não teve respostas relativamente a isso por parte da Apollo.

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