Dois actores e um destino — a televisão de autor de Westworld e True Detective em Lisboa

Rodrigo Santoro e Stephen Dorff são um robô e um detective nas séries da HBO que vieram promover a Portugal. As novelas da Globo ou os filmes de Sofia Coppola não lhes são estranhos, mas agora os actores estão no centro da era dourada da TV.

Rodrigo Santoro
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Rodrigo Santoro rui gaudêncio
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Santoro como Hector em Westworld
Stephen Dorff
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Stephen Dorff rui gaudêncio
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Dorff ao lado de Mahershala Ali em True Detective

“Estamos no momento mais competitivo da história [da televisão]”, constata o actor brasileiro Rodrigo Santoro. E estar a fazer séries de autor como Westworld e True Detective “é a experiência suprema”, classifica o colega Stephen Dorff. Os dois actores estiveram em Lisboa para promover as suas séries: são um robô e um detective ao serviço da HBO, canal que é um dos motores da revolução da televisão de prestígio nas últimas décadas e que agora montou casa nova em Portugal.

Cada um à sua maneira são dois galãs dos anos 1990 num hotel de Belém. Um saído da fábrica das novelas da Globo para a Hollywood de O Amor Acontece ou 300: O Início de Um Império, o outro vindo dos papéis fugazes na TV para fazer filmes como O Poder de Um Jovem, Cecil B. Demented ou Somewhere. Ambos desembocaram nas séries da actual vaga de televisão de prestígio: séries com conceito, com argumentos e realização homogéneas, às vezes de duração limitada e elencos de luxo, e ambas de género — uma de ficção científica, Westworld, outra de crime, True Detective. A televisão de autor é a sua nova casa e explicam como ela é diferente por fora e por dentro.

“Sinto que é como um presente depois de muito batalhar”, diz Rodrigo Santoro em entrevista ao PÚBLICO sobre poder trabalhar na exigente série de Jonathan Nolan e Lisa Joy. Todo ele sobriedade e profissionalismo, vem falar de um título que já foi exibido em 2018, quando a “home of HBO” em Portugal era o canal TV Séries, mas queé o tipo de série a que vale a pena voltar para pegar detalhes”. Não numa lógica de repetição como Friends ou O Escritório, que continuam a encontrar as massas em novas gerações apaixonadas graças à sua presença em serviços de streaming muitos anos depois da sua exibição original, mas pelo nível de detalhe e complexidade narrativa que encerra e que convida à revisão.

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Westworld HBO

Experiência suprema

Numa suite ensolarada, Stephen Dorff arrasta na voz os cigarros e o jet lag das noites anteriores numa conversa entusiasmada sobre True Detective. Na véspera tinha assim classificado, sem rodeios, o seu papel na série de Nic Pizzolatto: “É o meu projecto favorito, de sempre.” A HBO Portugal, serviço de streaming com presença independente ou via Vodafone, estreia a terceira temporada, cavalgando a boa recepção que teve e os elogios à interpretação de Dorff, o detective parceiro do protagonista vencedor de dois Óscares Mahershala Ali (a última estatueta dourada recebeu-a precisamente no passado domigo). O actor, que tanto filmou com John Waters e Sofia Coppola como figurou em vídeos para os Aerosmith e Britney Spears, explica o que torna tão especial o trabalho em True Detective, a série cuja primeira temporada encantou crítica e espectadores.

“Como espectador, foi a melhor coisa que vi na televisão desde Os Sopranos — é a série com melhor aspecto, com melhor realização, mais bem escrita e com melhores actores que vi em muitos anos.” Depois de uma segunda temporada menos bem sucedida pelo meio, veio o convite para o actor participar pela primeira vez na série, na nova história da terceira temporada. E tudo foi diferente logo aí.

“Normalmente leio e conheço sempre o guião antes de conhecer o realizador ou o produtor. Mas com o secretismo e a pirataria de uma série destas”, explica, “recebi um telefonema e o Nic queria conhecer-me. Deu-me duas cenas, li-as por alto e já estava. Senti-me muito confortável com esta personagem, nem precisei de ler o resto. E quando me mandou os guiões fiquei arrebatado.”

Não sendo a sua estreia em televisão, classifica a oportunidade de participar nesta série como a “experiência suprema”. “É das boas. E como também não gosto de ecrãs verdes e efeitos visuais, prefiro um True Detective do que estar numa Guerra dos Tronos a interpretar um de 50 papéis.” Stephen Dorff está a falar da jóia da coroa da HBO, uma das poucas que vão ser transmitidas em simultâneo com os EUA tanto na HBO Portugal quanto no canal SyFy, e que é uma fórmula particular de televisão de prestígio — a de massas.

Há 15 anos, houve outra, num canal generalista e não num canal por subscrição como a HBO e outros que têm sido os campos férteis da televisão de autor. “Às vezes há fenómenos que não sabemos explicar — participei no Lost (Perdidos), uma série que era uma febre no mundo inteiro”, recorda Rodrigo Santoro sobre o seu curto papel na série de Damon Lindelof e Carlton Cuse. “Eu não sabia. Gostei muito da ideia de trabalhar no Havai, porque gosto de surfar”, admite sorridente. “Vi uma maratona da série num fim-de-semana e realmente prendia, tinha todos os elementos. Ou como Breaking Bad, de que toda a gente me falava e realmente…” A televisão de prestígio, ou “premium” como diz o actor brasileiro com algumas reservas, “tem que ver com o diferencial”.

Bola pronta para o golo

Estar em Westworld, uma história sobre um parque de diversões povoado por andróides e que reflecte sobre consciência, livre arbítrio e prazeres violentos, é como se estivesse a jogar na selecção e soubesse que, “quando a bola chegar, vai chegar redonda”. Tenta explicar, assim, o prazer que sente ao construir a sua personagem, Hector, um pistoleiro que passa de robô a ser autónomo, com subtileza: “Quando o personagem começa a humanizar-se, é um banquete. Cada emoção, cada pensamento em que ele começa a ter consciência e a perceber as coisas é como uma criança a aprender, mas sendo um adulto, um homem. É muito rico.” É um papel que, garante, vem dentro de “um padrão de qualidade” ditado pelo “calibre de talento” que dá suporte a uma série como Westworld. “Recebemos os textos com pouco tempo antes de filmar, mas quando ele chega já foi tão trabalhado que a sensação é: ‘Vale a pena esperar.’”

Stephen Dorff abre os braços ao lado do corpo para desenhar a pilha imaginária de guiões para os oito episódios de True Detective. “Foi uma [série] filha da mãe. Os guiões eram gigantes, uma pilha deles”, ri-se calorosamente com cafés, galões e sumos de laranja ao lado depois de uma noite demasiado curta. “O que o Nic faz é...” Pausa para o inexplicável. Há um crime nos anos 1980 que envolve crianças desaparecidas e, à medida que escavamos, o Nic vai provocando o público e apresentando [suspeitos] à vez ao longo de três décadas. Não é tanto sobre o caso, mas sobre as pessoas envolvidas, personagens cheias de profundidade que estão a evoluir através deste crime. É como um acontecimento, há um crescendo e está sempre a surpreender-nos com curvas; no final acho que o público vai ficar muito chocado e agradado com a resolução”, tenta resumir.

O escritor Nic Pizzolatto é uma das estrelas nascentes da nova era de ouro da televisão. “Veio do nada, um jovem que tinha escrito um par de romances”, lembra Dorff, e “construiu um franchise, cada temporada com um elenco diferente”, que não o isentou de ser “muito pressionado para ser rápido a fazer a segunda temporada por causa do sucesso da primeira. Neste caso, ele teve tempo”.

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True Detective HBO

Jonathan Nolan, de Westworld, trabalhou noutra televisão antes disto — na CBS generalista, um procedural criminal. Mas depois da escrita de dois filmes Batman e de Interstellar, com o irmão Christopher Nolan, conseguiu ter no parque distópico de Westworld Anthony Hopkins ou Ed Harris; Nic Pizzolatto vendeu a primeira temporada de True Detective com Matthew McConaughey e Woody Harrelson à cabeça. 

“Vivemos numa época de muito conteúdo, [o que] por um lado [é] muito bom — os meus amigos estão todos a trabalhar, todo o mundo empregado”, sorri Santoro. “Mas ao mesmo tempo, como nos distinguimos?” Além de uma boa história, de liberdade criativa e narrativa, as séries da televisão de autor precisam do ingrediente mistério, da alquimia de cada uma delas. E da temperatura certa para a ebulição. “O morno”, arrasta Rodrigo Santoro, “é bom para tomar um chazinho. Não queima a boca, mas… não, não. Eu descanso ao domingo, o resto da semana é para o desafio. A vida é um relâmpago.”

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