Esquerda e direita acusam o Governo de não cumprir a lei com os professores

BE, PCP, PSD e CDS criticam Governo que mantém proposta de recuperar cerca de três anos de tempo de serviço e diz que abriu negociações para ouvir sindicatos. Está em causa cumprimento do OE. À esquerda e à direita do PS afirma-se que não é isto que determina a Lei do Orçamento de Estado de 2019. Quanto a posições futuras no Parlamento, as certezas à direita já não são tantas.

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Miguel Manso

À esquerda e à direita do PS há um ponto em comum quanto ao que aconteceu nas negociações desta segunda-feira entre Governo e sindicatos de professores e que é este: o executivo “não está a cumprir” o que se encontra determinado na Lei do Orçamento do Estado de 2019, que o obriga a negociar a recuperação do tempo de serviço congelado com as estruturas sindicais.

Em declarações aos jornalistas no final da reunião, que durou pouco mais de uma hora, Tiago Brandão Rodrigues frisou que aquilo que o Governo fez nesta segunda-feira foi "dar cumprimento à Lei do Orçamento do Estado [OE]" que, no entender do executivo, significa no actual quadro "chamar os sindicatos para os ouvir". É o que fará também no próximo dia 4 de Março e ainda, caso os sindicatos o requeiram, em sede de negociação suplementar.

Quanto ao Governo, adiantou, a proposta mantém-se igual: recuperar dois anos, nove meses e 18 dias do tempo de serviço que esteve congelado. O mesmo prazo que anunciou a 28 de Fevereiro passado, que a 20 de Dezembro foi consignado num decreto-lei e que dias depois foi vetado pelo Presidente da República. “Este é o passo que estamos a dar. E fomos os únicos a dá-lo, porque os sindicatos mantêm o mesmo crachá de sempre", afirmou o ministro.

“Claro que esta é uma posição que não responde ao espírito da Lei do Orçamento do Estado”, comentou ao PÚBLICO a deputada do PSD Margarida Mano, adiantando que o que foi levado por diante “não é uma negociação séria”. “É muito negativo que o Governo pretenda reduzir a negociação ao seu aspecto formal. Não foi nada disso que a Assembleia da República pretendeu”, disse.

A norma do OE que obriga o Governo a abrir novas negociações com os sindicatos de professores recolheu os votos favoráveis de todos os partidos com assento parlamentar, à excepção do PS. Para a deputada do CDS Ana Rita Bessa, o que aconteceu nesta segunda-feira constitui mais um exemplo da “enorme arrogância” com que o Governo tem gerido este processo.

“O que está consignado no OE é que o Governo está obrigado a um processo negocial. E o espírito que presidiu à votação desta norma não foi a de que bastava sentarem-se frente a frente para um diálogo de surdos”, prossegue Ana Rita Bessa, frisando que “é um absurdo prosseguir uma negociação se não existe a intenção de lhe dar um conteúdo”. “É inconcebível que o Governo se coloque nesta posição, mesmo que a sua margem de manobra possa ser curta”, afirmou também.

Os sindicatos vão avaliar nesta terça-feira se valerá “a pena perder mais tempo em reuniões em que o Governo nem aceita discutir aquilo que é obrigado a discutir: o prazo e o modo [da recuperação do tempo de serviço que esteve congelado]." Ou seja, se comparecerão ou não na próxima reunião que o Governo agendou para 4 de Março. Para breve estará também uma decisão quanto “aos planos de luta” que se seguirão e que poderão passar por novas greves às reuniões de avaliação final dos alunos.

A deputada comunista Ana Mesquita indicou que o PCP vai estar atento à posição que sair deste encontro para uma análise mais aprofundada, mas frisa também que a posição do Governo nas negociações desta segunda-feira “não cumpre o que saiu da Assembleia da República”.

O que sobre este mesmo processo está a acontecer pela segunda vez, lembra, acrescentando que a norma inscrita no OE de 2019 é praticamente igual à que constava do orçamento de 2018 e que foi repetida agora porque a maioria dos deputados entendeu que “não foi cumprida” no ano passado.

“O entendimento do Parlamento é que o diploma aprovado pelo Governo em Dezembro não foi negociado, como se determinava no OE de 2018, e por isso voltou a insistir na necessidade de novas negociações este ano”, corroborou a deputada do BE Joana Mortágua. Que afirma por isso o seguinte: “Temos de lamentar a postura assumida pelo Governo”.

“É inaceitável que o Governo mantenha esta postura arrogante em torno de uma proposta que é inaceitável quando todas as iniciativas tomadas, do Parlamento ao Presidente da República, apontavam para a necessidade de negociações”, afirmou ainda a deputada bloquista.

Apreciação parlamentar 

E o que vai então o Parlamento fazer? Tanto Joana Mortágua, como Ana Mesquita reafirmaram que, caso o Governo mantenha inalterável a sua posição, os respectivos partidos vão requerer a apreciação parlamentar do novo diploma que vier a ser aprovado pelo executivo. Com um objectivo claro: mudar o futuro decreto-lei para que neste fique estabelecida a recuperação integral dos nove anos, quatro meses e dois dias exigidos pelos sindicatos.

Já o PSD e o CDS não arriscam para já certezas sobre qual virá a ser a sua posição. “Tudo faremos para ajudar a que se chegue a uma solução justa. Já dissemos que para ser justa esta passaria pela contagem integral do tempo. Mas não podemos estar já a comprometer-nos com uma proposta concreta sem termos valores reais sobre o seu custo e essa é uma informação que o Governo se tem recusado a dar-nos”, disse Margarida Mano.

No ano passado, o Governo indicou que o custo da proposta dos sindicatos seria de 600 milhões de euros, mas este cálculo tem sofrido várias oscilações consoante as variáveis que são ou não tidas em conta.

Ana Rita Bessa aponta no mesmo sentido de Margarida Mano: “O Governo não explicou ainda quais as razões pelas quais se mantém inflexível na sua posição e porque é esta e não outra. E, por outro lado, também não temos dados que nos permitam dizer que a proposta dos sindicatos, que também se têm mantido inflexíveis, é passível de ser concretizada. Por isso mantemos reserva quanto à nossa posição se for por diante uma apreciação parlamentar”.

O "pior dos mundos"

O líder da Fenprof já alertou que se o Governo não aprovar um novo diploma até Abril poderá não haver tempo para que o Parlamento conclua este processo antes do final da legislatura e por essa razão os sindicatos também já exortaram os grupos parlamentares a avançarem com as suas propostas de lei se este cenário se concretizar.

O PSD e CDS afirmam que não tomarão esta iniciativa em grande parte pelas razões descritas atrás. E o PCP e o BE também não garantem que o farão. “Não descartamos nenhuma possibilidade, mas não é prudente estarmos já a precipitarmo-nos”, diz Ana Mesquita. “Espero que não venha a acontecer”, resume Joana Mortágua.

Certo é que também à esquerda e à direita do PS existe este outro ponto em comum. Dizem que este é um processo que, para bem de todos, deveria ficar resolvido em sede negocial e é em prol disso que continuarão ainda a exercer pressão.

Caso contrário, avisa Ana Rita Bessa, o que virá aí é “o pior dos mundos, tanto para os professores e para os grupos parlamentares, que não sabem se aquilo que irão aprovar será cumprido pelo próximo Governo, como sobretudo para os alunos que se arriscam a ter de novo um final de ano lectivo com fortes perturbações”.

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