Despejo de Paula motivou três moções, mas só a de Rui Moreira passou

Polémico despejo de inquilina do Lagarteiro, que ficou sem casa a poucos meses de sair em liberdade condicional, agitou Assembleia Municipal. Movimento do presidente da câmara apresentou uma moção de confiança à Domus Social, aprovada com abstenção do PSD e voto favorável do PAN. Propostas do PS e BE não vingaram

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Paula Gonçalves tem uma ordem de despejo desde o dia 22 de Dezembro de 2018 Paulo Pimenta

O movimento do presidente da Câmara do Porto repetiu esta segunda-feira à noite, numa sessão da Assembleia Municipal, parte da narrativa que vem defendendo há quase uma semana: a “decisão de despejo” de Paula Gonçalves, inquilina do bairro do Lagarteiro, é de Manuel Pizarro, então vereador da Habitação, e foi “tomada já em 2016”, alegam, contrariamente ao que demonstram os documentos do processo a que o PÚBLICO teve acesso. Em resposta à polémica dos últimos dias, o grupo municipal pediu um “voto de confiança na administração e nos juristas da Domus Social para que continuem a executar sem arbitrariedades nem discriminações a política de habitação social seguida há vários mandatos”, lê-se no documento. Com o voto favorável da deputada do PAN, a abstenção do PSD e parecer negativo de PS, CDU e BE, a moção foi aprovada.

O tom acusatório manteve-se ao longo dos cerca de 45 minutos de debate à volta do tema. André Noronha, do Movimento Porto, O Nosso Partido, assumiu as rédeas para pedir que não se façam “vetos de gaveta” nem gestão de “agendas eleitorais” a partir deste caso e para sublinhar a importância da aplicação da lei. “Não podemos ser bonzinhos para uns e mauzinhos para outros”, afirmou, acusando Manuel Pizarro de ter dois pesos e duas medidas: no bairro da Fonte da Moura, disse sem concretizar, existem “outros casos iguais” aos de Paula que receberam tratamento diferente por parte do socialista.

A segunda moção da noite - pedindo uma “política de habitação social responsável e integradora” - teve exactamente a assinatura do PS. Pela voz de Pedro Braga de Carvalho foram apresentadas à AM duas intervenções: uma “análise com carácter de urgência” dos fundamentos do despejo da “cidadã Paula Gonçalves, assinada, em 3 de Junho de 2018, pelo senhor vereador com os pelouros da Habitação, Coesão Social e Educação, Fernando Paulo, tendo em vista a sua legal revogação e a reversão dos actos de despejo entretanto praticados”; e uma “reavaliação” da política de habitação social da câmara, com vista à “criação de uma resposta responsável e integradora”.

Também o Bloco de Esquerda - que no sábado levou vários representantes ao bairro da Lagarteiro para mostrar solidariedade com Paula Gonçalves – levou a votação um documento que propunha a alteração do regulamento da Domus Social, recentemente aprovado em reunião camarária, onde os bloquistas não têm assento. Lamentando declarações de Rui Moreira numa conferência de imprensa da semana passada - onde acusou BE e CDU de defender que as casas camarárias devem albergar munícipes, “independentemente da sua actividade e de eventualmente serem traficantes de droga” – Susana Constante Pereira reiterou a posição dos bloquistas: “[Esta] não é uma proposta de protecção, apanágio e muito menos incentivo ao tráfico de droga”, afirmou, reforçando, no entanto, a ideia de as penas servirem para “reabilitar” e não para condenar, “muito menos com carácter perpétuo”.

A condenação judicial como justificação para despejar é uma “pena acessória” não aplicada pelo tribunal, notou, e põe “em causa o direito à habitação condigna”. Uma posição que o BE já disse considerar inconstitucional e que mereceu uma queixa à Provedora da Justiça.

Sem moção sobre o tema, o deputado Rui Sá aconselhou Pizarro e Rui Moreira a resolver os “problemas da separação”: “Façam as partilhas e regulação paternal, mas não venham para a praça pública com esses vossos problemas”, provocou. Para lá de debates políticos, o comunista começou por notar que o despejo de Paula Gonçalves é “a demonstração da falta de trabalho social nos bairros municipais” e da “falta de articulação com o trabalho social feito pela junta de freguesia”.

Para Rui Sá, tendo em conta que a inquilina não foi despejada durante os seis anos e meio que esteve detida, é preciso avaliar se faz sentido fazê-lo agora, quando está em vias de sair em liberdade condicional. É preciso analisar, aconselhou, “se não é mais vantajoso esta família ter direito à sua habitação em vez de seguir um processo que vai custar dinheiro ao erário publico e que é uma situação de injustiça”. Rui Sá defende a necessidade de salvaguardar o direito à habitação quando alguém que cumpriu uma pena sai em liberdade, mas diz não ser correcto deixar casas devolutas, a aguardar a saída, quando há muitas famílias em lista de espera para ter casa.

A “guerrilha política” deixou a bancada social-democrata “surpresa”. Sublinhando que a “partidarização deste problema não devia existir”, Alberto Machado disse estar convencido de que a lei foi cumprida e deixou outras perguntas no ar: “porque é que a casa ficou vazia estes anos todos? O que andaram os políticos a fazer?”, questionou o deputado do PSD, solicitando à câmara informação sobre casos semelhantes que eventualmente possam existir: “Gostávamos de saber se existem e quantos são.”

No sábado, no bairro do Lagarteiro, mais de 60 pessoas juntaram-se para mostrar solidariedade com Paula Gonçalves, que recebeu uma ordem de despejo no dia 22 de Dezembro de 2018, por despacho de 3 de Junho. A ordem foi executada no dia 31 de Janeiro e a reclusa só terá sido notificada, ainda no Estabelecimento Prisional de Santa Cruz do Bispo, onde estava detida, no dia 8 de Fevereiro. Por essa "ilegalidade", o advogado Albano Loureiro divulgou ter "impugnado" o despejo. Se tal ficar provado, esse incumprimento pode significar a "suspensão da ordem". 

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