O “Novo Acordo Verde”

Só inovações “revolucionárias” vão permitir a redução significativa de emissões de gases com efeito de estufa. Quantos graus terá a temperatura da Terra de subir antes disso?

Nos EUA, a congressista Alexandria Ocasio-Cortez e o senador Ed Markey causaram furor e controvérsia ao propor, no início de Fevereiro, uma resolução não vinculativa, designada por “Green New Deal” (“Novo Acordo Verde”).

O ambiente e a redução das emissões de gases com efeito de estufa são, como é óbvio, o cerne da resolução que propõe uma mobilização a dez anos com cinco objectivos principais: atingir zero emissões líquidas de gases com efeito de estufa; criar milhões de postos de trabalho com bons salários de modo a assegurar a prosperidade e a segurança económica “para todos os cidadãos dos EUA”; investir na infra-estrutura e na indústria dos EUA; assegurar “para todos os cidadãos dos EUA, durante as próximas gerações”, “ar e água limpos”, “ambiente sustentável”, “comida saudável”, “acesso à natureza”; promover a justiça e a equidade entre comunidades e minorias étnicas.

Um vídeo viral de crianças empenhadas na causa do Ambiente

A proposta de resolução, que não tem qualquer probabilidade de vir a ser aprovada, motivou um grupo de crianças e jovens a pedir, de forma veemente e apaixonada, à senadora pelo estado da Califórnia, Dianne Feinstein, que apoiasse a iniciativa. O vídeo tornou-se viral e vale a pena ver. Na resposta, a senadora, que foi educada, didáctica, mas demasiado dura, recusou apoiar a iniciativa, argumentando que irá propor o seu “Green New Deal”.

Portanto, o “Green New Deal” já teve o mérito de colocar o Ambiente, de novo, na agenda política dos EUA.

O objectivo irrealista do acordo de Paris sobre as alterações climáticas

O “Acordo de Paris”, de Dezembro de 2015, visava reduzir as emissões líquidas de gases com efeito de estufa (em particular, emissões de dióxido de carbono). Defendia que se as novas emissões líquidas de gases com efeito de estufa baixassem de modo substancial, seria possível manter – a partir dos níveis entretanto acumulados desses gases na atmosfera – o aumento da temperatura média da Terra em relação à era pré-industrial em 1,5 graus Celsius.

A dificuldade em chegar a acordo, por um lado, e em implementá-lo, por outro, resulta sobretudo do impacto do mesmo na actividade económica e, em menor grau, do desafio tecnológico que tal esforço de redução de emissão de gases com efeito de estufa representa.

É essa dimensão económica que aqui interessa analisar.

O acordo de Paris foi desde o início considerado irrealista, nomeadamente porque o objectivo não é credível. Não é possível diminuir de forma suficientemente rápida as emissões de gases com efeito de estufa e, mesmo que fosse possível deixar de emitir em termos líquidos gases com efeito de estufa no presente, a temperatura da Terra provavelmente subirá mais do que 1,5 graus Celsius devido à quantidade de emissões de gases com efeito de estufa realizadas no passado.

Acresce que um artigo científico de Agosto de 2018 argumenta que a hipótese basilar à estratégia intergovernamental de combate às alterações climáticas poderá estar errada. Ou seja, defende que existem mecanismos naturais que tenderiam a amplificar a subida da temperatura da Terra, mesmo que as emissões líquidas de gases com efeito de estufa baixassem para zero a partir de 2050. O nível crítico para estabilizar a temperatura da Terra seria um aumento de dois graus Celsius em relação à era pré-industrial.

Teremos sorte se a temperatura só subir três graus Celsius...

... de acordo com Antoine Dechezleprêtre, economista da OCDE, que estima que para atingir emissões líquidas de gases com efeito de estufa de zero em 2050 seria necessária uma redução de 60% na intensidade de carbono no PIB.

Ou seja, no presente, a actividade económica exige a utilização de energia de fontes não renováveis porque, com as tecnologias actuais, para reduzir as emissões líquidas de gases com efeito de estufa para zero, seria necessário eliminar (proibir) uma parte muito significativa da actividade económica, algo que evidentemente não é possível. Por exemplo, não é possível no presente prescindir do automóvel, do transporte aéreo ou da electricidade.

Assim, a actividade económica teria de ser organizada até 2050 de forma radicalmente diferente da actual para se conseguir reduzir a dependência de fontes de energia não renovável e dessa forma reduzir as emissões de gases com efeito de estufa, sem prescindir do crescimento económico. Por conseguinte, são necessárias novas tecnologias, nomeadamente para geração eléctrica e transportes, baseadas em fontes renováveis, muito mais eficientes do que as tecnologias actuais, baseadas em fontes de energia não renovável.

De acordo com o referido autor, não vamos lá com as tendências actuais, apesar do enorme progresso tecnológico e da rápida redução do preço da geração eléctrica a partir de fontes de energia solar ou eólica.

Contudo, note-se que, entre 1990 e 2017, a UE reduziu em 51% a intensidade de carbono no PIB. Ou seja, uma redução adicional de 60% nos próximos 30 anos, embora extremamente ambiciosa, é de ordem de grandeza similar à atingida nos últimos 30 anos.

Inovação tecnológica direccionada

A UE baseou, em larga medida, a sua estratégia de redução de emissões de gases com efeito de estufa em inovação tecnológica direccionada pressupondo que, através dos incentivos económicos “correctos”, o “mercado” responderia com as soluções tecnológicas adequadas.

Um dos principais instrumentos da UE de incentivos à redução de emissões de gases com efeito de estufa foi o esquema, introduzido em 2005, baseado na comercialização de direitos de emissão de CO2, de mais de 12.000 instalações industriais e de produção eléctrica, responsáveis por mais de 40% das emissões de CO2 da UE. A estratégia foi identificar as principais instalações produtoras de gases com efeito de estufa e regulá-las com este esquema de comercialização de direitos de emissão de CO2.

Para simplificação e redução dos custos administrativos, as instalações abrangidas pelo novo esquema foram identificadas de acordo com critérios numéricos algo arbitrários, que isentam de regulação muitas instalações produtoras de emissões de gases com efeito de estufa. E os preços dos direitos de emissão de gases com efeito de estufa são muitos voláteis.

O que seria necessário, em termos económicos, é que “os mercados” investissem em inovação tecnológica suficientemente ”revolucionária”, que seja capaz de permitir a redução de 60% da intensidade de carbono no PIB até 2050. Com o esquema de incentivos da UE, as empresas poluentes têm incentivo a investir em tecnologias menos promissoras, mas que no presente atingem maior nível de redução das emissões de CO2. No concreto, o esquema europeu favorece o investimento em fontes de geração eólica, porque é no presente das tecnologias mais eficientes, em detrimento de outras tecnologias hoje menos eficientes mas que a prazo têm maior potencial.

Os mercados não vão lá. É necessária intervenção pública

É provavelmente necessário, tal como no projecto Manhattan, que resultou no desenvolvimento das bombas nucleares e que chegou a empregar 130 mil pessoas, ter equipas com projectos paralelos, baseados em tecnologias diferentes, na expectativa das tais inovações “revolucionárias”, que permitam a redução significativa de emissões de gases com efeito de estufa. Que terão de ser directamente e generosamente financiadas, ao longo de anos, pelo(s) Estado(s).

Quantos graus terá a temperatura da Terra de subir antes disso?

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