Eucalipto e ideologia

Sendo variadas as motivações ideológicas de quem se opõe ao alastramento epidémico do eucalipto em Portugal, parece clara a ideologia dos que o promovem, condicionando a segurança e o bem-estar das populações rurais.

A 29 de Janeiro, foi torturada e assassinada em sua casa Rosane Santiago Silveira. A cidadã brasileira, de 59 anos, fez uso dos direitos que o Estado lhe conferia para se opor ao alastramento da monocultura de eucalipto numa reserva natural no sul da Bahia. Sendo clara a motivação de Rosane Silveira, também se sabe qual a ideologia dos seus assassinos. Esta última é a que viola os direitos e deveres consagrados pelo Estado, para fazer vingar interesses extractivistas

Infelizmente, o homicídio de Rosane Silveira está longe de ser caso único, seja no Brasil ou em outras longitudes.

De Moçambique chegam notícias de conflitos com populações rurais, face ao alastramento da monocultura de eucalipto por terras de cultivo. Neste país está envolvida a Portucel Moçambique.

Do Chile chegam relatos de conflitos com povos indígenas, com a destruição de florestas nativas e condicionamento da produção agro-alimentar e abastecimento de água potável. Na base está o alastramento das monoculturas de eucalipto e pinheiro. Neste caso, são ainda notórias as acusações de branqueamento desse alastramento pelo Forest Stewardship Council (FSC). O FSC é um sistema de certificação criado para dar “garantias” aos consumidores de que a madeira do papel ou do móvel adquiridos é proveniente de áreas sujeitas a uma gestão florestal sustentável. A par das acusações vindas do Chile, também por cá vão aumentando os indícios de embuste associados a este tipo de certificação.

Nos casos de Moçambique ou do Chile são evidentes as motivações das populações rurais e dos povos indígenas. Sabe-se também qual a ideologia dos que promovem o alastramento das monoculturas, condicionando o acesso ao alimento e à água.

Em Portugal, Diogo Silveira, de saída como CEO da The Navigator Company (ex-Portucel Soporcel), veio a público argumentar que são motivos ideológicos que estão por trás de quem se opõe ao alastramento epidémico do eucalipto.

Se a monocultura se caracteriza por uma gestão profissional para garantir o máximo rendimento do capital investido, a epidemia de eucalipto pode-se caracterizar por ausência ou débil racionalidade técnica, financeira e comercial, mais característica de uma aposta casuística em casino.

Quais serão as motivações ideológicas que estão na base da acusação de Diogo Silveira? Em todo o caso, presume-se que sejam motivações que não ponham em causa o Estado, ou seja, todos nós e o nosso território.

Serão as motivações ideológicas que estiveram na base da publicação de uma Resolução do Conselho de Ministros de 4 de Fevereiro de 2015? Esta define para 2030 a mesma área de eucalipto em Portugal registada em 2010. O mesmo aposta em produtividade por área, indicando um potencial de dez metros cúbicos por hectare e ano, hoje num miserável cenário de 5,9 metros cúbicos. Ou seja, tais motivações ideológicas impõem limites à expansão indiscriminada em área, definindo uma aposta na produtividade por área. Quantidade por qualidade. Poder-se-á argumentar que permite a monocultura, mas restringe a epidemia. Há que recordar que, à data, o Governo era assegurado por uma maioria parlamentar do PSD e CDS.

Serão antes motivações ideológicas que levaram em Agosto de 2017, depois dos catastróficos acontecimentos de Junho, à publicação de uma Lei que, com alguns alçapões, veio proibir novas arborizações com eucalipto a partir de 2018? Neste caso, a Lei foi aprovada com os votos do PS, PCP, BE, PEV e PAN. O objectivo, embora com motivações ideológicas distintas, não difere: permite a monocultura, mas restringe a epidemia. A destoar só esteve o ministro Capoulas Santos, ao levar ao limite a possibilidade de expansão da epidemia.

Sendo variadas as motivações ideológicas de quem se opõe ao alastramento epidémico do eucalipto em Portugal, parece clara a ideologia dos que o promovem, condicionando a segurança e o bem-estar das populações rurais.

Na base do extrativismo associado à cultura do eucalipto estarão anarco-capitalistas? Os que defendem a ausência do Estado e a auto-regulação dos mercados e do território pelas suas corporações? Há, todavia, um facto que desfoca esta hipótese no caso português. A serem anarco-capitalistas, como se explica o facto de subsistirem com base em generosos apoios do Estado, anualmente oferecidos por todos nós? O Estado é-lhes útil nos apoios, mas um empecilho nos condicionamentos ao extrativismo. Que ideologia será esta?

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