Serviu tacticamente a todos

A importância deste debate não advém do que foi dito, mas do simbolismo de como os partidos partem para as corridas eleitorais. E dos campos em que se situam.

Os partidos com assento parlamentar, todos eles, tentaram rentabilizar política e eleitoralmente o debate da moção de censura apresentada pelo CDS que na quarta-feira foi chumbada pela esquerda no Parlamento. Se o debate pode não ter tido efeitos directos nos activos eleitorais dos partidos, o facto é que foi o momento simbólico do arranque da campanha para o ano de quase todas as eleições. E tornou cristalina a bipolarização da política portuguesa.

Pode ter passado despercebida aos cidadãos a importância do momento, bem como o que levou o CDS a avançar com a sua segunda moção de censura na presente legislatura. Ao contrário do que disse no hemiciclo o primeiro-ministro, a atitude política do CDS não é um “acto falhado”. É, sim, o legítimo exercício de um direito que qualquer partido pode usar a cada sessão legislativa.

A importância deste debate não advém do que foi dito, mas do simbolismo de como os partidos partem para as corridas eleitorais. E dos campos em que se situam. Nesse sentido foi clarificador. Há, de facto, uma divisão política entre esquerda e direita, que se iniciou com Passos Coelho, quando este radicalizou o PSD à direita, candidatando-se à liderança do partido em 2010 e às legislativas de 2011, com um programa político assumidamente liberal, publicado no livro Mudar, no qual até defendia uma revisão constitucional.

No Governo, concretizou a radicalização, ainda que obrigado a abandonar muito do ideário antes defendido, em resultado da necessidade de privilegiar as medidas de governação inscritas no Memorando assinado pelo primeiro-ministro anterior, o socialista José Sócrates, com a Comissão Europeia, o Banco Central Europeu e o Fundo Monetário Internacional para viabilizar um empréstimo de 78 mil milhões de euros que evitou a bancarrota do Estado. A aliança parlamentar de esquerda do PS com o BE, o PCP e o PEV, assumida por António Costa, foi o corolário lógico dessa radicalização estreada por Passos – assim como as alterações que se vivem na direita.

Desde o primeiro momento que o CDS estava certo de que a sua moção não seria aprovada, mesmo sabendo que o PSD não teria espaço político para votar contra. Assunção Cristas sabia também que era o momento para disparar o tiro de partida da campanha. É que, no passado fim-de-semana, o primeiro-ministro e líder do PS fez o mesmo, ao retirar do Governo dois ministros em áreas centrais da governação para os lançar como candidatos do PS ao Parlamento Europeu, nas eleições de 26 de Maio. E assim fazer a segunda parte da remodelação iniciada em Outubro de 2018 e que prepara o Governo para as legislativas de 6 de Outubro.

Assunção Cristas não podia, porém, deixar passar este momento. E não apenas pela remodelação. O CDS tinha de marcar o terreno, após, no congresso fundador da Aliança, Santana Lopes ter recuperado para a retórica política activa um ideário abertamente liberal, defensor do fim do Estado social (de acordo com o modelo social europeu) e defendido políticas e serviços públicos progressivos e garantidos pelo Estado de acordo com os rendimentos dos cidadãos – bem como ter estreado um discurso eurocrítico, soberanista e antifederalista. O CDS tinha de marcar o seu terreno.

Ainda que dando a imagem de andar a reboque do CDS, a razão esteve também do lado do PSD. Estava certo Rui Rio ao afirmar, na segunda-feira, que este recurso parlamentar “não tem efeito prático nenhum” e que mesmo que passasse apenas resultaria em “eleições antecipadas quatro meses”. Rio frisou, contudo, como o momento é “simbólico” e que o PSD não poderia fazer outra coisa senão votar contra o Governo, porque essa era a atitude coerente para um partido que critica a governação de António Costa. Também o PSD não pode perder o seu lugar de principal partido da direita e tem de marcar terreno nas disputas eleitorais de 2019.

É por isso que o primeiro-ministro tem igualmente razão, quando no debate afirmou que a moção de censura mais não era que um “medir de forças” na direita. E partiu para o discurso da obra feita ao longo dos mais de três anos de governação.

Quanto ao BE e ao PCP, desempenharam os únicos papéis que podiam. Ainda que tentassem capitalizar junto dos respectivos eleitorados, ao acusarem o PS – e o seu Governo – de não ter aprovado algumas das suas propostas, a verdade é que, depois de terem votado quatro orçamentos do Estado feitos segundo os critérios rígidos do ministro das Finanças, Mário Centeno, que tanto criticaram, seria incompreensível que provocassem a queda do executivo. Seria engasgarem-se com um mosquito após andarem quase quatro anos a engolir sapos.

No fundo, a razão assistiu a todos, a cada um a sua. E o debate serviu tacticamente a todos, cada um a seu modo. O tiro de partida está dado. As urnas falarão em 26 de Maio, em 22 de Setembro e, sobretudo, a 6 de Outubro.

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