Este café do Lumiar é uma missão de vida. E sabe a Cidreira

No meio da malha urbana, há um café que quer ser um “espaço de recolhimento”, para lá do rebuliço do dia-a-dia. Com produtos a granel, biológicos e frescos.

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Daniel Rocha

Pouco passa das 9h, a casa ainda está vazia, mas cheira a brownie acabado de sair do forno e a café moído. Prepara-se tudo para que quem ali entre ao longo do dia se sinta sempre como se tivesse tomado um chazinho de cidreira: mais calmo e bem-disposto, deixando a ansiedade lá fora. Por isso, Sandra Godinho chamou este café de Cidreira, tentando torná-lo num "espaço de recolhimento" onde se pudesse “ter alguma serenidade no rebuliço do dia-a-dia”. Um espaço onde se pudesse comer e comprar de forma consciente, para lá do prazer imediato que o consumo nos traz.

Um dia, fez-se "um clique" na cabeça de Sandra: era preciso mudar a alimentação, consumir menos, menos plástico, levar uma vida mais sustentável. “Encontramos sempre todas as desculpas para não ir ao cerne da questão. Esta questão da reciclagem, do desperdício zero. Quais são os meus hábitos de consumo e como é que isso me está a afectar a mim e à vida no planeta?”.

Acabou por se tornar vegetariana há mais ou menos dois anos, e começou a matutar na ideia de criar alguma coisa que chamasse à atenção para todas as questões que colocam o globo em sobrecarga. “Como é que as pessoas não se dão conta do que está a acontecer com o planeta?”

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Daniel Rocha

O Cidreira acaba por ser o resultado de todas estas interrogações e das mudanças que elas provocaram na vida de Sandra, que, além de ver ali uma oportunidade de negócio, via, mais do que tudo, uma "necessidade" para fugir à rotina e ao stress do trabalho na Administração Pública.

A casa da avó

Depois de o Cidreira ganhar forma no papel, foi pôr mãos à obra. Começou por procurar um sítio fora do turbilhão do centro de Lisboa — no centro é onde está tudo, diz Sandra — e foi instalar-se no Lumiar, assumindo assim o desafio de "lançar sementes" numa população que acredita não estar tão alerta para estas questões. “A ideia é ser mesmo para as pessoas deste bairro”, diz.

Em 15 dias montou o café. Para isso, Sandra foi vasculhar a casa da avó, no Alentejo. De lá trouxe “uns pratinhos, uns copos, umas bilhas” para adornar o espaço. Comprou umas peças em segunda mão para que o espaço ganhasse um bocadinho da magia de que são feitas as casas dos avós.

Abriu portas no início de Setembro. A par da comida saudável, preparada com produtos (quase) todos biológicos, de produtores locais (tem uma parceria com o mercado bio do Lumiar), e sem açúcares, Sandra quer evitar as embalagens de plástico.

Por isso, o Cidreira tornou-se também numa pequena mercearia com produtos a granel. Há uma parede cheia de potes com frutos secos, leguminosas, chás, especiarias que podem ser compradas ao peso. Quem quiser, pode levar uma caixinha de casa e enchê-la do que preferir. Há também uma estante com produtos zero desperdício, como escovas de dentes e cotonetes de bambu.

O protagonista da carta, arriscamos dizer, é o brownie de chocolate, que com um café custa 2,25 euros. Há sempre opções de sumos (2,50 euros) e batidos (entre os 3 e os 4,10 euros – se se quiser uma pitada de granola feita no Cidreira), chás e infusões (1,50 euros) e também papas de aveia com granola e fruta (4,10 euros), sopa (2,50 euros), tosta doce (3,25 euros) e tosta salgada — com pesto ou húmus caseiros (3,75 euros).

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Para já, Sandra diz estar ainda a conquistar clientela do bairro. Ali, não há uma montra cheia de bolos e são os mais jovens que arriscam a entrar e a perguntar o que há. “As pessoas procuram mais para terem uma alternativa, para comerem de outra forma.” Na zona também “há pouca oferta”, nota, e isso pode revelar-se uma vantagem.

Os animais também são bem-vindos. Há, inclusive, biscoitos para os cães, uma receita afinada por Priscila, que toma conta da cozinha.

Mas para além de aconchegar o estômago, o Cidreira está também a promover vários workshops. “É uma forma de sensibilizar”, diz Sandra. Fizeram já algumas formações sobre alimentação saudável e cosmética natural.

Daqui em diante Sandra quer fazer mais parcerias, por exemplo, com a junta de freguesia. “Mais do que grandes coisas, se conseguirmos chegar às pessoas e cada uma delas puder fazer uma pequena mudança na sua vida, tudo isso faz muita diferença”, acredita a proprietária, para quem o Cidreira está longe de ser apenas um negócio: "Materializei neste espaço aquilo que eu sou e o que eu quero transmitir ao mundo. É uma missão.”

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