O diabo dos advogados ou advogados do diabo?

O mais interessante é que, contrariamente ao que acontecia no interior do tribunal, na rua fazia sol e não se vislumbrava pinga de chuva, ou seja, o guarda-chuva seria indicado para o interior, mesmo temendo o ancestral azar de o abrir dentro de portas.

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NELSON GARRIDO

Esta semana estive em tribunal, como em tantas outras semanas. Há advogados nos tribunais todos os dias. Mas esta semana foi diferente, não por virtude de alguma peripécia processual ou legal, mas porque chovia dentro do palácio da justiça. O mais interessante é que, contrariamente ao que acontecia no interior do tribunal, na rua fazia sol e não se vislumbrava pinga de chuva, ou seja, o guarda-chuva seria indicado para o interior, mesmo temendo o ancestral azar de o abrir dentro de portas. O sucedido foi fruto de acumulação de água e humidade no tecto do edifico que levou ao apodrecimento das placas e ao consequente dilúvio. Não querendo alongar-me em questões que não domino, achei que merecia aqui uma nota relativa às condições desta cobertura. Os buracos eram dois: um frente à sala de audiências e o outro junto dos serviços do Ministério Público, onde funcionários e magistrados subiam a bancos e transportavam baldes numa defesa inequívoca do sistema que representam.

Os advogados, por sua vez, desempenham o papel ingrato de serem advogados do sistema e advogados dos seus clientes, com o acréscimo de muitas vezes terem também de ser advogados em causa própria. Quero com isto dizer que o papel do advogado não se reduz ao patrocínio ou à representação de clientes, mas também à defesa intransigente da Justiça em Portugal, como um dos pilares mais importantes da nossa democracia. Cabe, então, aos advogados o difícil papel de serem os garantes da justiça para uns e para outros e fazê-la acontecer em todas as circunstâncias. É fácil desdenhar os advogados, ou porque são careiros, ou porque se acha que devem garantir resultados. O certo é que a prioridade desta classe é a de garantir que todos têm acesso aos tribunais, assegurando assim o disposto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa e perfilando-se como uma espécie de braço armado do Estado na luta diária da persecução da justiça.

Dir-me-ão que o advogado é muito mais do que o que acabei de expor — e com razão —, mas o que me importa realçar é o papel que temos na sociedade para lá do código deontológico. A advocacia não pode ser praticada e realizada na sua plenitude quando o sistema de acesso ao Direito é escasso em atribuição e em compensação. Não pode ser praticada com dignidade quando os tribunais caem aos bocados e não há funcionários suficientes para fazerem face às pendências.

Somos advogados do Diabo porque devemos defender o Estado e o seu sistema com unhas e dentes, visto muitas vezes como o Satanás criado para nos complicar a vida.

Mas o diabo dos advogados continuam a olhar mais para o seu umbigo do que para o que os rodeia, limitando-se na vontade de celebrar grandes avenças, de viver de um prestígio fabricado pelas transferências monetárias ou pela verborreia despejada na televisão.

Toda uma classe que se tornou vassala da magistratura e refém dos grandes escritórios. Os gigantes esmagam os pequenos, independentemente da sua qualidade ou mérito, tendo como critérios a posição de superioridade económica e mediática que definem o bom e o mau advogado.

Em ano de eleições na Ordem dos Advogados, é justo que se reflicta sobre o papel que esta deve ter no seio da classe mas também perante a sociedade, no sentido de perceber o que raio se fez para esbater as desigualdades e as dificuldades no acesso à profissão. Se a carteira é a moeda de troca para um futuro na advocacia, serão negros os tempos para esta e, por maioria de razão, para a Justiça.

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