Carros eléctricos passam ao lado da Autoeuropa, onde o T-Roc sai reforçado

O VW Sharan e o Seat Alhambra vão continuar a ser fabricados em Palmela, mas em menor número. A aposta chama-se T-Roc. E os carros eléctricos ainda vêm longe.

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Miguel Sanches, director da Autoeuropa Daniel Rocha

A Autoeuropa fica de fora do lote de fábricas que vão iniciar a transição da produção da Volkswagen de carros eléctricos. Isso significa que o plano de reestruturação, que será necessariamente profundo e acabará por afectar todo o grupo, não se vai aplicar, por agora, em Palmela, onde trabalham 5800 pessoas.

As primeiras fábricas incluídas nesta transformação estão na Alemanha, como revela o administrador responsável pelas fábricas da VW em todo o mundo, Andreas Tostmann, em entrevista ao PÚBLICO. Mas isto é só o início de um processo que transformará todo o grupo, como diz Tostmann, ajustando-o às especificidades dos carros eléctricos, que exigem menos componentes e menos trabalho.

Por agora, segundo o director-geral da Autoeuropa, Miguel Sanches, não se prevêem saídas, até porque se pretende reforçar a produção do modelo T-Roc – um utilitário desportivo que se tornou um dos produtos mais vendidos no respectivo segmento e que alcandorou a produção da Autoeuropa num nível recorde em 2018 (223.200 carros fabricados, ainda assim abaixo da meta), ajudando as exportações portuguesas e a economia (a Autoeuropa é um dos 15 maiores empregadores em Portugal e as receitas equivalem a 1% do PIB de 2017).

Por outro lado, também não haverá contratações. A ideia é transferir para as linhas do T-Roc os meios afectos à construção do Seat Alhambra e do VW Sharan, que poderão continuar a ser feitos em Palmela até 2022. "A meta é fazer o máximo aproveitamento da capacidade instalada", destaca Miguel Sanches. O grupo alemão confirma ao PÚBLICO que decidiu prolongar o ciclo de vida destes dois veículos, que poderiam terminar em 2020, mas sublinha que só o mercado dirá se durarão mais mais três anos.

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Miguel Sanches (dir.) com Andreas Tostmann, respectivamente director da Autoeuropa e das fábricas Volkswagen em todo o mundo Daniel Rocha

"Temos de compreender que o Sharan é um modelo com nove anos. O que podemos dizer é que esperamos que o volume [da procura] deverá descer nos próximos anos. Neste momento, 2022 surge hipoteticamente como o último ano de produção do Sharan aqui na Autoeuropa. Mas tal como há seis meses falávamos em 2020, isso é uma possibilidade que apenas o mercado vai ajudar a decidir", explica Miguel Sanches.

Certo é que o grupo planeia investir 110 milhões de euros em 2019 em Palmela – onde os alemães apostaram 1144 milhões nos últimos dez anos, um terço dos quais (465 milhões) graças ao T-Roc. "O pilar fundamental deste investimento é o aumento da capacidade de produção do T-Roc", diz o director-geral. Este esforço visa "compensar a previsível redução do volume de produção do Seat Alhambra e do VW Sharan e também responder à procura crescente pelo T-Roc no mercado", acrescenta. A receita para os próximos tempos "é uma combinação entre optimização do número de trabalhadores e as necessidades de produção, tendo em conta o portefólio de produtos". Convém notar que qualquer alteração de monta na Autoeuropa se reflectirá nas 15 empresas adjacentes do parque industrial que fornecem a VW, e que empregam 2400 pessoas. 

Há um segundo pilar daquele investimento que se prende com as unidades de negócios de peças prensadas [capôs e pára-choques dianteiros] e de ferramentas (cunhos e cortantes), que Palmela fornece a outras fábricas. É uma componente pequena, com 340 trabalhadores ao todo (145 nas prensas, 195 nos cunhos e cortantes). Em 2018, Palmela produziu 20,3 milhões de peças prensadas e facturou 23,07 milhões com as ferramentas, usadas em diferentes modelos feitos na Alemanha, em Espanha e no México. "Somos competitivos no custo e queremos investir na expansão da nossa capacidade de produção de peças prensadas e ferramentas, como fornecedores externos", assinala Miguel Sanches.

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O T-Roc começou a ser produzido em Palmela a 4 de Agosto de 2017. Foi lançado com preços a partir de 20 mil euros. Portugal tem o exclusivo da produção (excluindo China, para Ásia) REUTERS/Kai Pfaffenbach

Ciente de que a fábrica portuguesa está para já fora do quadro de transformação da mobilidade eléctrica, Sanches sempre vai mostrando que vê a unidade de Palmela integrada nesse movimento no médio prazo até porque, em 2040, o grupo deverá lançar o último modelo dito convencional, com motor de combustão interna. "Não vamos ser apenas um player da mobilidade eléctrica, também vamos ser um player da mobilidade autónoma, bem como dos carros de alta conectividade", anota, referindo-se ao grupo Volkswagen.

Ainda assim, o futuro imediato será subordinado à estratégia da VW para aumentar em 30% a produtividade no grupo, e que implicará cortes na mão-de-obra em algumas localizações. Portugal não parece estar nessa lista, pelo menos enquanto o modelo T-Roc – que é excusivamente produzido na Autoeuropa – continuar a ser apetecível no mercado.

Diferente preocupação é a que diz respeito à distribuição. Em 2018, a empresa teve de lidar com o bloqueio no porto de Setúbal devido à greve dos estivadores, que dentro de alguns dias vão regressar à mesa das negociações, para tentarem um contrato colectivo de trabalho. O pior cenário, como diz Andreas Tostmann na entrevista ao PÚBLICO, seria outra paralisação, até porque, como diz Miguel Sanches, as alternativas usadas em 2018 só "funcionaram em parte".

"Para nós, Setúbal é a melhor opção. Fica a menos de 40 km da fábrica, tem a capacidade de armazenamento e a infra-estrutura necessária para dar apoio à nossa produção na máxima capacidade", observa. "Usámos o porto de Leixões, cuja administração mostrou disponibilidade para melhorar as condições de modo a aumentar a capacidade de armazenamento, já que é, além de Setúbal, o único porto em Portugal com capacidade de fazer operações de roll on/roll off. Acredito que, com isso, conseguiu-se aumentar a capacidade de resposta em Leixões. Também usámos Vigo e Santander e estamos a testar de novo a ferrovia", explica, para perceber "se financeiramente é viável fazer o transporte desde a Autoeuropa até ao porto de Setúbal", e também como alternativa "no caso de se repetir um evento como a greve de 2018". "Esperamos que não seja preciso", conclui.

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