A poesia e a criação de José Afonso celebradas a duas vozes na Malaposta

Ana Sofia Paiva e Marco Oliveira construíram um espectáculo em torno da poesia e da música de José Afonso. Chama-se Utopia e estreia-se este sábado na Malaposta (em Odivelas), às 21h45.

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Ana Sofia Paiva e Marco Oliveira FOTOS: TIAGO FEZAS VITAL

A actriz Ana Sofia Paiva e o cantor e compositor Marco Oliveira já fizeram trabalhos juntos, mas este nasceu de “uma provocação” dela, confessa Ana. Marco confirma e diz que aceitou com prazer. “Para mim foi um desafio, conhecer mais intimamente e mais profundamente a obra do José Afonso, perceber quão universal é a sua obra, não apenas na época em que viveu mas o facto de ir muito mais além do seu quotidiano.” Isso levou-os a imaginar um espectáculo, a que chamaram Utopia – poemas e canções de José Afonso e que vai estrear este sábado, às 21h45 no Café Teatro da Malaposta, em Odivelas.

O que inspirou Ana foi sobretudo a poesia. “Eu cheguei ao Zeca por ambiente familiar, pela música, mas tive muito contacto com o livro Textos e Canções. E a ideia era essa, incidir no Zeca poeta, não o letrista.” Marco recorda o que terá ajudado a cimentar o projecto. “A primeira vez que fizemos juntos um tema do José Afonso foi no CCB, na Fábrica das Artes [em Janeiro de 2018]. Montámos um espectáculo para as escolas intitulado Poeta, um cidadão do mundo e incluímos uma canção que está no último disco dele, Galinhas do Mato (1985), e que se chama Alegria da criação. E, com este mote, ficámos a pensar: porque não montar um espectáculo dedicado à criação deste artista?”

Alegria da criação, o primeiro mote

“Inicialmente era para se chamar Alegria da criação”, diz Ana. “Como outros trabalhos que temos feito juntos, é uma dramaturgia a partir de poemas, que são lindos, mas com o fio condutor de um narrador, que neste caso será a voz do Zeca, misturando frases que ele disse em entrevistas ou em concertos, criando uma narrativa dramática. É, numa colagem de vários textos, a nossa forma de entender aquilo que recebemos dele.”

Em palco estarão só os dois, com piano, viola e percussão. “A ideia é criar um ambiente que é muito mais do que musical”, diz Marco. “Vou poder explorar algumas coisas com os textos, e isso é fantástico.” Ele já tinha musicado o poema “À sombra não me quito” (de 1959), mas entretanto “o grande Júlio Pereira” (observa Ana) fez um espectáculo com esse nome e isso fê-los repensar o tema.

Mas foram musicados outros, como “Tu morres todos os dias” (1981), a par de canções do repertório afonsino. “Algumas despertaram-me a curiosidade pelo lado surrealista, como o Paz, poeta e pombas”, diz Marco. “E há Bombons de todos os dias, gravada por João Afonso”, recorda Ana. “Escolhemos os temas não directamente para fugir aos mais conhecidos, mas como a grande incidência é na poesia, o mais provável é que a maioria das pessoas não os reconheça logo.”

Um estudo intenso da obra

Este trabalho surge, na carreira de ambos, a par de outros projectos. Marco: “A Ana tem imenso trabalho enquanto contadora de histórias, eu ando a preparar um novo disco com algumas composições novas.” Mas, depois da experiência da estreia não pensam ficar por aqui. “Gostávamos de continuar, não tanto por levar o espectáculo a sítios, mas para continuarmos a trabalhar este repertório”, diz Ana. “É mesmo um estudo, para nós.”

Para além do cantor e do poeta, há também o homem. “Interessa-nos muito a figura do Zeca como artista, que morreu um bocadinho incompreendido (um bocadinho é favor)”, diz Ana. Mas, acrescenta Marco, “para além da recolha de textos, vamos recolhendo dados sobre a grandiosidade deste homem. Aqueles temas só fazem sentido se formos ler um pouco das entrevistas dele, se ouvirmos os registos (que há) de conversas com ele. Não é um espectáculo de versões, mas de estudo intenso da obra de José Afonso.”

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