Quem é o enfermeiro em greve de fome? Carlos Ramalho, um líder "teimoso" e um homem "simples e puro"

O líder do sindicato que mantém a greve "cirúrgica" trabalha no serviço de psiquiatria do hospital de Évora há duas décadas. Os amigos não estavam à espera que fizesse greve de fome. Mas compreendem: "É a revolta de alguém que luta há anos".

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DANIEL ROCHA

É um homem “muito assertivo”, “muito teimoso” e “muito obstinado”, descrevem os amigos. Mas todos estavam bem longe de imaginar que Carlos Ramalho, presidente do Sindicato Democrático dos Enfermeiros de Portugal (Sindepor), ia avançar para uma greve de fome em frente ao Palácio de Belém. Um protesto que iniciou esta quarta-feira com uma simples pasta na mão. Escolheu um banco de jardim e comprometeu-se a ficar ali, sem comer, até que o Governo se disponha a reiniciar as negociações.

Nascido há 51 anos em Vaiamonte, Portalegre, a cerca de 80 quilómetros de Évora, cidade para onde foi viver ainda bem pequeno, Carlos Ramalho é filho de um militar e casado com uma enfermeira. Na profissão há quase 27 anos, foi nos Açores que começou a trabalhar, no hospital de Angra do Heroísmo, onde passou pela pediatria e neonatologia e permaneceu durante cinco anos.

Voltou para Évora em 1997 e tem trabalhado sempre, desde então, no departamento de psiquiatria e saúde mental do hospital da cidade. “É uma vida dura, as condições são péssimas”, atira. Fazer greve de fome foi uma decisão ponderada? Foi uma "decisão estritamente pessoal", vinca. Os conhecidos, os amigos e mesmo a família — a mulher, a mãe e o filho único — não foram consultados.

“Fiquei surpreendido, mas compreendo. Uma pessoa entra em desespero. É a revolta de alguém que luta há anos”, reage Luís Mós, do Sindepor (Lisboa), que conhece o enfermeiro de Évora desde a criação do sindicato, há cerca de um ano e meio. “Foi uma atitude pessoal, que tomou à noite, sozinho, em reacção à campanha de desinformação, de ameaças e mentiras do Governo”, acrescenta Ulisses Rolim, vice-presidente do Sindepor e amigo de longa data de Ramalho.

"Completamente surpreendida" com a decisão do colega que conhece desde o curso de enfermagem, Vanda Veiga descreve Carlos como "um homem muito simples, puro, de carácter forte, para quem a honra está acima de tudo". Vanda, que trabalha no Hospital do Barreiro, está a tentar juntar com outros enfermeiros "uma logística" para apoiarem o líder sindical. "Ele cuidou toda a vida dos outros, agora vamos nós cuidar dele."

Esta quarta-feira, antes de instalar num banco no jardim em frente ao Palácio de Belém, Carlos Ramalho ainda almoçou, diz Vanda. Foram lulas recheadas, segundo o Observador. Agora, está determinado a permanecer ali, “noite e dia”. Diz que não lhe resta “outra alternativa”, enquanto "líder" que fez um "juramento". “Vou continuar aqui de pé até morrer. Prometi que ia lutar até às últimas consequências”, declara. Ulisses acredita na determinação do amigo: “Ele é muito teimoso e leva as decisões até ao fim."

Os dois formaram-se na Escola Superior de Enfermagem São João de Deus, em Évora, e Ulisses tem estado ao lado Carlos em várias batalhas. Há três anos, apresentaram uma lista para a Ordem dos Enfermeiros (OE). Ulisses encabeçava a lista como candidato bastonário, Carlos ia para a direcção. Perderam as eleições para a actual bastonária Ana Rita Cavaco.

Para trás ficaram outras lutas. Entre 2000 e 2006, Carlos foi delegado e dirigente regional em Évora do Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP), filiado na CGTP. Acabou por sair por não se rever “nos processos de um sindicato que não evoluiu e que funciona muito à imagem do PCP”, segundo critica.

Depois de cortar com o SEP, ainda demorou mais de uma década até criar o Sindepor, em Setembro de 2017. "Senti a necessidade de criar algo de novo, um sindicato que defendesse devidamente os enfermeiros." Foi "uma lufada de ar fresco na nossa luta", diz Vanda.

Com o Palácio de Belém como cenário, Carlos garante agora que o sindicato "não vai parar e outras formas de luta surgirão".

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