Santa Casa da Misericórdia vai acolher temporariamente inquilina despejada pela Câmara do Porto

Paula está presa desde 2012 e recebeu uma ordem de despejo a dois meses de sair em liberdade condicional. Actual e ex-vereador da Habitação trocaram acusações sobre responsabilidades da decisão

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Paula foi presa em Setembro de 2012 e teve uma ordem de despejo, da sua casa no Lagarteiro, em Dezembro de 2018 Paulo Pimenta

Uma carta enviada no último dia de Janeiro por Paula Gonçalves, reclusa despejada da sua habitação social a dois meses de sair em liberdade condicional, sensibilizou o provedor da Santa Casa da Misericórdia do Porto e fez a instituição procurar uma solução, ainda que temporária, para a mulher de 35 anos, mãe de três filhos. António Tavares contou ao PÚBLICO que estava já “a trabalhar neste cenário” quando a polémica se desencadeou “do ponto de vista político”. “Irá para o nosso equipamento social de emergência”, revelou, acrescentando haver planos para, “em diálogo com a câmara municipal, tentar encontrar depois uma solução de habitação [definitiva].”

António Tavares disse ter informado a autarquia de que este seria, no imediato, “um não-problema”. O dilema, acrescenta, “voltará quando se tiver de encontrar uma decisão definitiva.” Isso acontecerá entre 90 a 180 dias a contar deste sábado, altura em que Paula sairá em liberdade condicional. Esse é o tempo máximo de permanência no Centro de Alojamento Social D. Manuel Martins.

O espaço, em funcionamento desde 2013, pode receber até 40 pessoas em situações de emergência: há casos de despejos, de sem-abrigo, de gente que ficou sem residência por causa de incêndios. O ideal, notou o provedor, seria ter disponível a "Casa de Saída", um projecto da Santa Casa da Misericórdia que acabou por fracassar por falta de apoios. “É um projecto que estamos disponíveis para recuperar”, disse, mostrando alguma expectativa de tal ser possível agora que a câmara desenhou um programa de apoio a ex-reclusos.

Guerra aberta entre executivo de Moreira e Pizarro

Apesar da solução provisória, as trocas de acusações continuam e não há entendimento à vista entre o executivo de Rui Moreira, com o seu vereador da Habitação, Fernando Paulo, no centro das atenções, e o antigo vereador com o mesmo pelouro, Manuel Pizarro. A discórdia tem epicentro na responsabilidade do despejo: quem é, afinal, responsável por Paula ter ficado sem casa?

Como o PÚBLICO já noticiou e os documentos a que teve acesso demonstram, foi Fernando Paulo quem assinou, a 22 de Dezembro de 2018, uma ordem de despejo, "por despacho de 3 de Junho de 2018”, também da responsabilidade deste vereador. Na conferência de imprensa, confrontado com esses factos, Fernando Paulo reiterou ter apenas dado “continuidade” a um despejo “bem iniciado” por Manuel Pizarro.

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O socialista, vereador da Habitação até Maio de 2017, iniciou efectivamente um processo de despejo. Em Fevereiro de 2016 e depois em Março de 2017 - da primeira vez por falta de pagamento de rendas (o que foi rectificado) e da segunda por ocupação da casa por parte do pai, não incluído no agregado familiar -, Pizarro comunicou a Paula Gonçalves a intenção de a despejar. Mas acabou por não o fazer. "A lei possibilita o despejo e a possibilidade de não o fazer. Não obriga ao despejo. É uma decisão política. Por isso tem de ser assinada por um vereador", destacou numa conferência de imprensa onde distribuiu aos jornalistas os três documentos assinados por Fernando Paulo: uma intenção, uma decisão e uma ordem de despejo.

A polémica subiu de tom, com Moreira a mostrar incómodo por aquilo que entende ser uma mudança de posição de Pizarro. “Entre 2014 e até à sua saída”, disse o presidente da câmara, o então vereador terá despejado “150 agregados familiares” e em vários momentos terá defendido a expulsão de moradores que não cumpram a lei: "Se tiver de escolher, porei sempre em primeiro lugar as famílias que não traficam", terá dito Pizarro.

O PS acusou a câmara de “mentir deliberadamente” e “manipular informação” para camuflar o “embaraço político” de um “pensamento desumano e acrítico”. Comportamento, disse, identificativa da filosofia actual da câmara: "Agora é mesmo o CDS que domina a Câmara do Porto, com a sua visão de uma sociedade punitiva".

O presidente da câmara recusou estar a “judicializar a política”. Essa é uma das acusações subjacentes à carta aberta – entretanto também em formato digital como petição - que foi entregue nesta quarta-feira no Gabinete do Munícipe, com quase 200 subscritores e nomes de peso como José Mário Branco, Alexandre Quintanilha, Helena Roseta ou Alexandre Alves Costa.

No final das contas, admitiu o executivo, o que está em causa é apenas encontrar um culpado. Porque a justificação para o despejo é para Rui Moreira clara: "Se Pizarro nada tivesse feito, nós teríamos feito porque cumprimos a lei."

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Depois de ter admitido na conferência de imprensa​ - ao contrário do que havia dito no dia anterior - a existência de correspondência entre a autarquia e a reclusa, um comunicado, ao final da tarde, vem afirmar que “o apelo da reclusa, pedindo clemência no despejo, foi dirigido à imprensa e à oposição mas nunca ao presidente da câmara”. Acrescentando ainda que tais cartas foram enviados em "envelopes da junta de freguesia de Campanhã, a única do PS". Os documentos a que o PÚBLICO teve acesso (e cuja difusão foi permitida por Paula Gonçalves) foram dirigidos não ao presidente, mas ao vereador com o pelouro da Habitação e estão carimbados, comprovando que foram recebidos, pela Domus Social. 

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