Advogados usam casamento de juízes para tentar anular decisão sobre emails de Mexia

A defesa do presidente da EDP invoca impedimento legal no facto de o juiz relator do acórdão que revogou a decisão de Ivo Rosa, sobre o acesso a emails e dados bancários do CEO, ser casado com outra juíza que já interveio no processo.

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António Mexia é um dos arguidos na investigação aos contratos CMEC da EDP Rui Gaudencio

O Tribunal da Relação de Lisboa (TRL) revogou a decisão do juiz Ivo Rosa de impedir o Ministério Público de utilizar dados bancários e fiscais de António Mexia e João Manso Neto na investigação de suspeitas de favorecimento à EDP, bem como de aceder aos emails destes gestores, obtidos nas investigações dos casos BES e Marquês. Contudo, o caso promete não ficar por aqui. A defesa de Mexia e de Manso Neto avançou com um requerimento para o TRL a pedir a nulidade do acórdão de 19 de Fevereiro, sustentando que estão envolvidos no processo dois juízes que são casados, e que isso constitui um impedimento legal.

“Não podem exercer funções, a qualquer título, no mesmo processo juízes que entre si sejam cônjuges”, refere o requerimento, citando o Código de Processo Penal (CPP), que determina que “os actos praticados por juiz impedido são nulos”.

No requerimento a que o PÚBLICO teve acesso, os advogados dos dois arguidos referem que, por via da notificação do acórdão de 19 de Fevereiro, que revogou a decisão do juiz de instrução criminal Ivo Rosa, tiveram conhecimento de que quem, por sorteio, desempenhou a função de relator (que elaborou o acórdão) foi o juiz desembargador Ricardo Manuel Crystello e Oliveira de Figueiredo Cardoso. Por outro lado, verificaram que a juíza desembargadora Anabela dos Santos Simões de Figueiredo Cardoso interveio nos autos do caso EDP enquanto juíza desembargadora adjunta subscritora de acórdãos com data de 8 e 15 de Maio.

Sendo estes juízes casados um com o outro, a defesa da EDP sustenta que Ricardo Cardoso deveria ter-se declarado impedido de intervir no processo. Não o tendo feito, os advogados da EDP pretendem agora que o TRL declare o seu impedimento e que seja declarada a nulidade do acórdão (levando a que o recurso do Ministério Público seja distribuído a outros juízes).

O facto de a juíza desembargadora Anabela Cardoso “ter intervindo, enquanto juíza adjunta, no conhecimento e decisão de dois diferentes recursos tramitados nos presentes autos, e em momento anterior à distribuição dos presentes autos de recurso, impunha” ao juiz desembargador Ricardo Cardoso “senão logo após a distribuição [do recurso do Ministério Público], pelo menos quando percepcionou a intervenção do seu cônjuge, declarar-se impedido, nos termos previstos” no CPP, “por meio de despacho, proferido imediatamente”, sustenta a defesa de António Mexia e de João Manso Neto.

Segundo o requerimento, o juiz Ricardo Cardoso “não se declarou, como devia, imediatamente impedido de intervir” no recurso do Ministério Público e, “desse modo, mesmo que inadvertidamente, potenciou o surgimento de uma intervenção suspeita no processo, passível de se considerar atentatória do dever de imparcialidade dos juízes, mesmo que na realidade não tenha sido”.

“Objectivamente”, frisam os advogados da EDP, o facto de os dois juízes com intervenção em decisões relacionadas com o mesmo caso serem casados “pode, em abstracto, levantar a dúvida sobre a respectiva imparcialidade” – uma dúvida que sai reforçada, por exemplo, com a “frequente adjectivação usada na caracterização da decisão recorrida”.

Os advogados também salientam o facto de o acórdão de 19 de Fevereiro fazer “permanente referência a acórdãos anteriormente proferidos nestes autos (…) coincidentemente subscritos” pelo cônjuge do juiz desembargador relator (a juíza desembargadora Anabela Cardoso).

“O perigo, sério, real e objectivo, de se verificar uma violação do dever de imparcialidade confirma, na nossa óptica, a razão de ser do impedimento que o legislador consagrou” no CPP, referem os advogados.

“É óbvio que há um perigo de uma intervenção suspeita de um juiz desembargador que aprecie recurso interposto no processo onde o seu cônjuge interveio enquanto juiz de instrução ou de julgamento”; como há o mesmo perigo de “intervenção suspeita” de um juiz que participe “no julgamento de processo onde o seu cônjuge interveio enquanto juiz de instrução” ou que “participe no julgamento de recurso interposto no mesmo processo onde o seu cônjuge interveio enquanto juiz desembargador que apreciou anterior recurso, para mais quanto à mesma matéria”, lê-se no requerimento.

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