Meu olhar, meu olhar (Elis Regina, Romaria)

Olhemos, pois, para o olhar de quem sofre entre perseguições raciais, religiosas, sociais e políticas. Há o outro.

“Afinal, os amigos ajudavam em tudo o que podiam o celibatário Kant”
“O debate filosófico convertido em disputa interminável sempre me pareceu banal e, nos menos maus dos casos, inútil”
Immanuel Kant: Vida, Pensamento e Obra

Falando de inutilidades, na nossa sociedade, vá-se lá saber porquê, há quem adore deleitar-se com a vida dos outros ou expor a própria.

Entre programas que apelam às emoções mais primárias, à utilização das redes sociais, muitas vezes compulsiva, não há tempo para meditar. Meditar em si e no próximo.

Que importa tudo isso perante um minuto de glória nas televisões? Que importa tudo isso para quem utiliza redes sociais, inventando o que quer que seja, mesmo sem nenhum apego à realidade?

Umas vezes tais insinuações são perversas, imputando atos da vida privada, como supostos vícios e comportamentos, a quem nem sequer conhecem ou nunca viram pessoalmente, causando danos profundos e irremediáveis, em regra sob anonimato (oh cobardia). De tanto repetido, não raro o que se difunde nas redes sociais torna-se realidade, isto é, a verdade virtual, ou seja, o estalinismo dos nossos dias. Pior ainda, muitas destas intervenções de espíritos tão clarividentes quanto desocupados, arrastam correntes, sem um minuto para aquilatar a verdade do que se vai alegadamente “informando” ou sobre as consequências que as vítimas sofrem. E a Sociedade e a Democracia.

Estes meios grassam, em parte, porque pobre da maioria dos seus utilizadores nem consciência tem do que provocam, nem de que são instrumentos de terceiros. Se está na Net “é verdade”, ponto final.

Mas muitas vezes – ou quase sempre –, quem promove tais campanhas tem objetivos muito definidos e parte daqueles que os seguem com os seus “likes” ou comentários ignoram.

Uma coisa é a liberdade de expressão, a transparência, outra a difamação, a pequena vingança, o engano ou a instrumentalização, incluindo política.

Do lado oposto do espelho está a situação daqueles que se expõem, também com objetivos próprios.

Expor a vida privada é escolher um caminho populista, tal como o que se escreveu supra.

Politicamente até dá votos, já que a bisbilhotice é transversal. Porém, basta uma expressão infeliz para que a estrela se transforme em besta.

E para quem olha para o que se passa no mundo inteiro, as constatações supra efetuadas causam repulsa. Há tanto para ocupar as horas dedicadas ao que se deixou de escrito: o outro. As causas. A guerra à indiferença.

Mas há que reconhecer que, embora raramente, as redes sociais também são utilizadas para causas nobres. A eterna luta entre o bem e o mal.

Aqueles que tanto apregoam as causas sociais são, não raro, os que não têm um único olhar para as ditas, quando em concreto. Não são PS, PCP e BE aparentes detentores do campeonato social? O pior é quando se desce ao concreto que tanto invocam. Onde estão, como pessoas, para ajudar os outros, os tais concretos?

Falar em geral, mesmo para “as alegadas pessoas concretas”, é fácil. Difícil é fazê-lo.

Tenho sempre presente a canção de Elis Regina sobre o sofrimento humano – Romaria – que não sabendo rezar, como refere, com um trajeto de dores e miséria, apenas pede que olhem para o seu olhar.

Olhemos, pois, para o olhar de quem sofre entre perseguições raciais, religiosas, sociais e políticas, que estão entre nós, mesmo que não as queiramos ver.

Há o outro.

A autora escreve segundo o novo Acordo Ortográfico

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