As farmácias público-privadas de José Sócrates

As farmácias não hospitalares nos hospitais encabeçaram o rol de PPP ruinosas de José Sócrates. Os processos ainda se arrastam nos tribunais, mas o melhor é darmos o dinheiro por perdido.

Jamais algum colega meu se esquecerá do dia 12 de março de 2005. Inesperadamente, no discurso de tomada de posse como primeiro-ministro, o jovem político em que muitos votámos, cheios de esperança, elegeu as farmácias como alvo a abater. Com a demagogia de um ilusionista, José Sócrates tentou transformar os farmacêuticos comunitários em inimigos públicos aos olhos dos portugueses.

Na altura, aquilo foi para nós incompreensível. Hoje, é fácil de desmontar. Sócrates usou as farmácias para espalhar terror e meter medo aos adversários, receita que aplicaria mais tarde a diversas classes profissionais, dos magistrados aos jornalistas. Com esse circo permanente, desviou as atenções dos verdadeiros lobbies que delapidaram a banca, a economia e as finanças públicas. Os resultados estão à vista.

Em 2011, José Sócrates entregou o país à troika, deixou os portugueses a braços com cortes drásticos em pensões e salários, e foi viver para Paris. Para a frente, deixou uma infinita fatura de empréstimos e investimentos tóxicos. Para trás, um país coberto de autoestradas sem carros. Essas parcerias público-privadas (PPP) rodoviárias, consideradas ruinosas pelo Tribunal de Contas, também tiveram um primeiro balão de ensaio: as farmácias de venda de medicamentos ao público nos hospitais.

As farmácias não hospitalares nos hospitais encabeçaram o rol de PPP ruinosas de José Sócrates. Quando inaugurou a primeira, em Leiria, o primeiro-ministro anunciou que o Hospital de Santo André iria receber 100 mil euros por ano, mais 30% das vendas. Aconteceu tudo ao contrário. Essas estranhas farmácias, únicas na Europa, deixaram um rasto de dívidas aos hospitais públicos, superior a 20 milhões de euros. Os processos ainda se arrastam nos tribunais, mas o melhor é darmos o dinheiro por perdido.

Só o atual Governo pôs fim ao desvario. O Decreto-Lei n.º 75/2016 acabou com o regime de instalação de farmácias de dispensa de medicamentos ao público nos hospitais. O primeiro-ministro, António Costa, e os ministros das Finanças e da Saúde, Mário Centeno e Adalberto Campos Fernandes, deixaram escrito que "os princípios do interesse público e da acessibilidade que presidiram à implementação deste regime não se demonstraram". Os governantes declararam ainda que "a acessibilidade dos utentes aos medicamentos se encontra devidamente assegurada através da rede de farmácias comunitárias existentes".

As farmácias nos hospitais eram desnecessárias, como se percebeu à medida que foram encerrando, sem qualquer tumulto público. Os doentes urgentes são medicados nas próprias urgências, sem custos e sem demoras. Aliás, as pessoas não precisam de medicamentos quando vão aos hospitais, precisam deles a qualquer hora. Não podemos atrair aos hospitais doentes que podem ser tratados em casa ou nos cuidados de saúde primários, com menos custos e menor risco de serem infetados por outros doentes.

As farmácias de venda ao público nos hospitais eram nocivas ao interesse público, porque ameaçavam a subsistência das farmácias que ficam de serviço nos bairros, e nas vilas e aldeias mais isoladas. Hoje, 679 farmácias enfrentam processos de penhora e de insolvência. Uma em cada quatro das nossas farmácias corre o risco de fechar portas. Em nome da igualdade do direito à saúde, a Assembleia da República deve esquecer de vez as farmácias PPP e resolver antes o problema das farmácias de proximidade. Os portugueses que já perderam a escola, o correio e a extensão do centro de saúde não perdoariam aos deputados se ficassem agora sem a sua farmácia.

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