Matos Fernandes desmente Rui Moreira sobre obras na margem do Douro

Autarca afirmou que Matos Fernandes não se preocupou com construções no domínio público hídrico quando presidiu à APDL.

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Moreira e Matos Fernandes têm estado lado a lado, mas divergem quanto ao domínio hídrico Joana Goncalves

O ministro do Ambiente garante que, enquanto administrador e, depois presidente da Administração do Porto do Douro e Leixões (APDL) fez, por várias vezes, valer a jurisdição daquela empresa estatal sobre o domínio público hídrico, dando parecer sobre construções nas margens do Douro. O presidente da Câmara do Porto, Rui Moreira, afirmou esta terça-feira, na reunião do executivo municipal que, quando liderava a APDL, Matos Fernandes “não se preocupou com construções no seu domínio", o que este desmente, dando exemplos.

O autarca voltou ao tema das construções da Arrábida, embargadas por acção do Ministério Público por, entre outros motivos, falta de consulta à administração portuária, para recusar “o poder discricionário da APDL” na “escolha” das obras que carecem de parecer desta entidade que, segundo a legislação, tem, até 200 metros a montante da ponte Luís I, jurisdição sobre a faixa de 50 metros das margens do rio – o domínio público hídrico (DPH). Moreira voltou a alertar para a existência de “mais de 21 casos” de construções e obras de reabilitação de edifícios aprovadas sem consulta àquela entidade, estranhando que só no caso do empreendimento da Arcada, esta tenha optado pela via judicial.

Moreira lembrou que o entendimento da câmara, que partilha com os seus antecessores no cargo, é o de que aquela empresa abdicou da tutela sobre a área de margem para lá do passeio junto ao rio, no final dos anos 90, através de uma carta do seu presidente de então, Ricardo Fonseca. E acrescentou que o actual ministro do Ambiente, na sua passagem pela empresa "não se preocupou com construções no seu domínio".

Esta posição do autarca contraria documentação consultada pelo Público, que a 28 de Janeiro dava conta de um longo conflito entre a APDL e o Município em torno da jurisdição sobre o DPH, com intervenção do actual ministro. E Matos Fernandes foi taxativo a desmentir, também o independente. “Nesta questão não consigo dar nenhuma razão ao presidente da Câmara do Porto, disse ao PÚBLICO, explicando que não falava na sua actual condição de ministro – visto que nem tem sequer a tutela da APDL, que pertence ao Ministério do Mar – mas enquanto antigo gestor daquela empresa pública.

Matos Fernandes argumenta que "a questão do domínio hídrico não depende da vontade de qualquer membro do Governo ou a câmara, mas sim da lei", que estabelece a jurisdição sobre as margens. Assume, como o PÚBLICO tinha noticiado, que existia, de facto, uma carta de 1999, assinada pelo seu antecessor naquele cargo, dizendo que a área de jurisdição da APDL terminava no lancil do passeio junto ao rio, mas não concebe que a interpretação dessa posição – assumida no âmbito da revisão do Plano Director Municipal do Porto – “vá para além da gestão quotidiana” dos espaços públicos. “Ninguém abdica de competências estabelecidas na lei através de uma carta”, vinca.

Por isso, continua o antigo administrador e presidente da APDL, “a partir do momento em que o PDM estabelece essa linha e permite uma leitura errónea dessa jurisdição”, o que fez, recorda, foi propor ao município que isso fosse corrigido, “através de uma alteração simplificada do PDM”, que a autarquia recusou. “Fui o mais diligente possível, cumprindo a lei”, insiste o actual ministro, vincando que “fez o oposto” do que disse Moreira, intervindo em processos urbanísticos nas margens do Porto e de Gaia. Na margem direita, Matos Fernandes dá exemplos de pareceres em situações como o da requalificação do Armazém do Peixe de Massarelos e do empreendimento da Secil, contíguo ao que o MP agora embargou.

Problemas no rio, e no mar

No debate em torno desta questão do licenciamento de obras na margem do Douro, suscitado pela vereadora socialista Odete Patrício, o presidente da Câmara aproveitou também para alertar para os constrangimentos que o Programa de Ordenamento da Costa entre Caminha e Espinho – que pela primeira vez abrange a frente marítima do Porto, trará para a gestão da cidade. E sobre isto exigiu que o Ministério do Ambiente defina uma linha clara, que não implique com áreas urbanisticamente consolidadas, repetindo um pedido de clarificação do documento que já tinha feito numa audição parlamentar sobre o tema, no Parlamento, em Janeiro passado.

O ministro do Ambiente, que fora ouvido pelos deputados nesse mesmo dia, explicou ao PÚBLICO que o POC vai mesmo ser alterado, de modo a permitir que, mesmo estando na margem dos 50 metros do domínio público marítimo, seja permitido colmatar, com construções, espaços vazios em zonas urbanas consolidadas, desde que não se situem em áreas sob risco de erosão da costa, mas sujeitas apenas a galgamentos em situações de mau tempo. Caberá aos municípios verificar o cumprimento do PDM, nesses casos, e aos proprietários terem a consciência dos riscos a que estarão sujeitos explicou Matos Fernandes.

Quanto ao Edifício Transparente, citado por Rui Moreira na reunião de câmara como uma construção aprovada e que o POC prevê agora que seja demolida, o actual ministro assinala que se tratou de uma obra realizada no âmbito do programa Polis, e que as sociedades que geriam estes projectos beneficiaram de uma exclusão temporária do domínio público marítimo e do domínio público hídrico. Recorda, aliás, que o Polis de Viana do Castelo não consultou o Porto de Viana para os projectos de instalação de vários equipamentos públicos – como a biblioteca ou o pavilhão - nas margens do rio Lima.

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