Lamentações de um inimigo público

Há tempos, num congresso, afirmou-se que a qualidade da mobilidade de uma cidade se aferia após um dia, com um bebé de oito meses e um amigo de 80 anos, sem usar o automóvel privado.

Foto
dro Daniel Rocha

O executivo da Câmara anunciou, com as habituais fanfarras, o jardim que há-de ser a Praça de Espanha, alguém se terá lembrado dos vendedores ambulantes e da anunciada “devolução desse espaço à Cidade”, criando uma zona verde de protecção do IPO e uma área expectante para a expansão do mesmo? Ter-se-á, também, lembrado, que já no anterior mandato esse espaço foi, afinal, vendido em hasta pública para a construção de uma muralha de edifícios de escritórios e serviços, após um protocolo com o IPO que ninguém perguntou em que pé se encontra??

As luzes evitaram o parque de estacionamento de camionetas a ser remetido para baixo do viaduto de Sete-Rios , como lixo debaixo de um tapete, onde os ventos se encarregarão de canalizar para as Estradas da Luz e Benfica os gases da frota em movimento ou, parada, com motor a trabalhar, sem que algum estudo tenha sido feito de modo a tranquilizar esta vasta população já tão martirizada pela poluição e eternos engarrafamentos.

Quando o presidente do Automóvel Clube falou em novos constrangimentos resultantes nesta re-re-devolução à cidade, estava eu parada na Av. De Berna, há três quartos de hora, com dois bebés a chorar, aterrorizada com o que passará a ser.....

As bicicletas não são solução para mim nem para nenhuma família com bebés ou idosos a quem, por serem muito novos ou muito velhos, ou..., ou..., lhes está vedado o uso da bicicleta: não porque não queiram, mas porque não podem, simplesmente.

Há tempos, num congresso, afirmou-se que a qualidade da mobilidade de uma cidade se aferia após um dia, com um bebé de oito meses e um amigo de 80 anos, sem usar o automóvel privado. O meu teste demorou umas escassas horas porque não fui capaz de sujeitar os meus acompanhantes à brutalidade desta experiência: são estes as grandes vítimas duma cidade madrasta que os agride criando “novos constrangimentos”, remetendo-os para a condição de sub-cidadãos.

Aqui estou, há três quartos de hora, parada no trânsito, a ouvir o Presidente da CML a  re-reanunciar a devolução “da Praça de Espanha à Cidade”, ameaçando-nos com mais constrangimentos na circulação, que secundariza e lhe provocam irritação quando lembrados, porque nos elegeu inimigos públicos, como alvos a abater dentro do maldito automóvel de que não podemos separar-nos... eleitos por termos família, como se fôssemos culpados das limitações que o tempo inexoravelmente a todos impõe... e por insistirmos em dar-lhes o melhor de que somos capazes.

Sugerir correcção
Ler 2 comentários