Pedidos de ajuda de famílias muito endividadas agravaram-se em 2018

Percentagem de rendimento disponível para pagar custos dos empréstimos subiu para 80% em 2018, quando deveria limitar-se a 35%. Primeiros dados de 2019 são “muito preocupantes”, envolvendo créditos recentes.

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ADRIANO MIRANDA/ADRIANO MIRANDA

O número de famílias que pediu ajuda ao Gabinete de Protecção Financeira (GPF) da Deco subiu para 29.350, em 2018, mais 350 pedidos que em 2017, e muito mais que os 8758 de 2008, ou mesmo os 23.183 de 2012. A evolução dos pedidos de ajuda surpreende pela negativa, mas há dados mais graves, como o crescimento da taxa de esforço ou percentagem do rendimento que é utilizado para pagar os empréstimos, cuja média atingiu os 80%, mais cerca de 10 pontos percentuais que em 2017. A directora do GPF, Natália Nunes, considera que o crescimento da taxa de esforço “é muito preocupante”, tendo em conta que essa relação já é mais do dobro da recomendável, que não deve ultrapassar os 35%.

O rendimento médio das famílias que pediram ajuda fixou-se em 1150 euros, menos 50 euros que em 2017, e o valor médio das prestações de crédito, o que dá a taxa de esforço, subiu de 850 euros para 924 euros. Ou seja, o valor disponível para fazer face a todas as outras despesas, como alimentação, casa, saúde ou transportes, fica reduzido a 226 euros.

Os pedidos chegados nas primeiras semanas de 2019 também fazem soar os alarmes, porque estão a revelar casos de famílias que já não conseguem pagar empréstimos recentes, contraídos em 2018. Embora careçam de uma análise mais aprofundada, “há indícios de que as famílias já não apresentavam condições para ter acesso a esses créditos”, o que mostra que as novas contratações “não estarão a ser feitas de forma responsável”, apesar das recomendações do Banco de Portugal sobre este tema, que entraram em vigor em Julho de 2018 - e que também não travaram os empréstimos a particulares, que no total do ano aumentaram 19,1%.

Natália Nunes mostrou-se céptica em relação ao impacto da medida macroprudencial do supervisor da banca, que assumiu a forma de recomendação, "quando deveria ter carácter obrigatório”, e porque "não introduziu limites específicos no crédito ao consumo, como de certa forma foi feito para os empréstimos à habitação". Uma situação que faz com que as famílias apresentem vários créditos pessoais e diversos cartões de crédito, o que acaba por contribuir para um potencial descontrolo dos encargos. No crédito ao consumo, o único limite introduzido foi o da duração dos contratos de empréstimo, que não pode superar os 10 anos. Este tipo de crédito passa a contar para a avaliação da taxa total de esforço, que a instituição liderada por Carlos Costa colocou, no entanto, em 50% do rendimento disponível, permitindo ainda que em cerca de 25% dos créditos essa taxa possa ser superior.

Sobem os encargos saúde e ascendentes

Ao gabinete de apoio ao endividado da associação de defesa do consumidor - aquele que, de vários que existem a nível nacional, recebe mais pedidos de ajuda - chegam os resultados de crédito mal avaliado pelas famílias e instituições de crédito. E a larga maioria dos casos já chega em situação extrema, de penhora de bens e rendimentos, em que o apoio da Deco já é reduzido, muitas vezes limitando-se a aconselhar o pedido de insolvência. Em cerca de 45% dos 29.350 pedidos de ajuda registados, as famílias já estavam em incumprimento ou com prestações não pagas, ainda assim uma melhoria face aos 55% de 2017. Neste domínio, a percentagem de famílias que chega à Deco em situação de prestações em atraso melhorou desde 2013, quando ascendia a 66%.

E o universo das famílias em que foi possível renegociar os empréstimos, de forma a permitir a continuação do seu pagamento, limita-se a cerca de 10%, num total de 2737 processos.

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Os dados do GPF da Deco mostram que as famílias que pedem ajuda apresentam em média cinco empréstimos, um deles para habitação e os restantes ao consumo (um segmento que cresceu mais de 10% no ano passado e que tem vindo a crescer de forma acentuada desde 2015).

As situações que acabam por espoletar o incumprimento das famílias têm vindo a mudar, a reflectir não só a conjuntura económica, mas também outras variáveis. Assim, acompanhando a maior empregabilidade, a percentagem de famílias que entrou em ruptura financeira por causa do desemprego caiu de 32%, em 2017, para 20% em 2018. Apesar do desemprego ainda permanecer no topo da lista de razões, a deterioração das condições laborais surge em segundo lugar, com 19%, quando representava apenas 9% no ano anterior. As penhoras continuam a representar uma percentagem elevada - 12%, contra 16% anteriores - e o divórcio ou separação manteve-se praticamente estável, nos 11%. No mesmo período, recuou a baixa médica de 15% para 9%.

A assumir uma dimensão considerável e pela primeira vez, surgem três factores: o aumento dos encargos com a saúde, que representou 7% das causas de desequilíbrio em 2018; o apoio a ascendentes que representou 3%, e a reforma antecipada/quebra de rendimentos, com 2%. Estes dados não eram expressivos nos anos anteriores e, segundo Natália Nunes, “poderão ser reflexo do maior envelhecimento da população”.

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Em termos de habilitações dos consumidores, o maior número de pedidos surge de quem tem o 2º e 3º ciclos (33,3% e 39,6%) ou o ensino superior (18,7%), distribuídos por todas as idades entre os 25 e 65 anos, com maior peso de quem tem 40 a 54 anos. E por estado civil estão maioritariamente os casados ou em união de facto, com 51% (54% em 2017), solteiros (27,6%, a crescer significativamente face as 22,2% anteriores), e os divorciados/separados (com 17,8%, em queda ligeira).

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