Secou o clone de árvore do tempo dos dinossauros plantada em Beja

Conífera descoberta na Austrália em 1994, e que se supõe viver 350 anos, durou apenas 13 no Alentejo. Estava classificada como árvore de “interesse público”.

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A árvore em três momentos: num vaso em 2007; no jardim público de Beja em 2012; e em Fevereiro deste ano, já definhada António Carrapato/DR

As crianças de Beja e as pessoas vindas de fora que se desloquem ao jardim público da cidade para contemplar a “árvore dos dinossauros” passam a observar um exemplar ressequido sem a exuberância vegetativa que apresentava quando ali foi plantado em Março de 2011. 

O clone obtido a partir da espécie australiana Wollemia nobilis, que se desconhecia existir até 1994 no Parque Nacional de Wollemi na Austrália, na Nova Gales do Sul, foi adquirido pela Escola Superior Agrária de Beja (ESAB) por 7500 euros num leilão realizado na cidade de Sydney em Outubro de 2005, para integrar o Museu Botânico de Beja (MBB), uma aquisição que foi patrocinada pela Fundação Calouste Gulbenkian. Além de em Beja, na Europa só existiam, naquele ano, exemplares em Londres, Edimburgo e Viena.

No entanto, a árvore australiana que se pensava extinta há dois milhões de anos (idade dos fósseis mais recentes) e que sobreviveu a “17 idades do Gelo e assistiu à génese e à extinção maciça dos dinossauros”, conforme referiu na altura em que foi comprada a Ciência Viva – Agência Nacional para a Cultura Científica e Tecnológica, encontrou sérias dificuldades em subsistir no clima alentejano.

A Wollemia nobilis, uma conífera da família Araucariaceae, resiste a temperaturas que variam entre cinco graus Celsius negativos e os 45 graus Celsius positivos, mas na presença de um razoável grau de humidade atmosférica, o que não acontece na região de Beja, que é fustigada por um clima quente e muito seco. Quando se esperava que a pequena árvore não resistisse, afinal recuperou para se tornar uma referência do MBB, onde permaneceu num vaso até 2011, ano em que a ESAB fez a sua doação ao município de Beja. Os seus autarcas justificaram a opção alegando que só assim o exemplar, então com 1,5 metros de altura, teria o “devido acompanhamento” e outras condições para “ser exposto e divulgado de forma eficaz e eficiente”.

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A árvore no jardim público de Beja em 2012 DR

Apenas 100 exemplares adultos

Em 2012, a Autoridade Florestal Nacional classificou a Wollemia nobilis como árvore de “interesse público”, por se tratar (naquele ano) de um exemplar “único no país, raro no mundo e a sua protecção legal ser essencial à conservação de uma espécie da qual só existem 100 indivíduos adultos no estado selvagem, e ainda por estar em perigo de extinção.” A Câmara de Beja viu na classificação, pela primeira vez atribuída no município, “o reconhecimento do trabalho feito na divulgação de um fóssil vivo”. Mas, o fóssil vivo bem cedo começou a revelar dificuldades no crescimento e persistentes sinais de degradação vegetativa, apresentando sintomas de acentuado declínio foliar. O PÚBLICO contactou agora a Câmara Municipal de Beja, sem obter resposta.

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A árvore no Jardim público de Beja em Fevereiro deste ano já definhada DR

Luís Mendonça de Carvalho, director do Museu Botânico da Escola Superior Agrária de Beja, e que protagonizou a vinda do exemplar para Beja, começou por reconhecer há seis meses ao PÚBLICO que a imagem da árvore “não era a mais agradável”, mas dizia acreditar que a Wollemia nobilis “poderia recuperar”. Acabou por perder a folhagem, sobretudo nas ramificações que desenvolvia na base do seu caule, e a cor castanha tomou conta das folhas que ainda restavam.

O exemplar de uma das árvores mais raras do mundo, que fez parte de um conjunto de 292 árvores clonadas e leiloadas em 2005 em Sydney pela Sotheby’s, e que foi plantada no Jardim Público de Beja em Março de 2011, pode agora considerar-se morto.

Para determinar a idade a que pode chegar a Wollemia nobilis, uma equipa de cientistas cortou, em 2000, secções transversais de um tronco da espécie com cerca 40 metros de altura, que o tempo derrubara, para serem examinadas na Universidade Nacional Australiana. A estimativa para esta amostra apontou uma idade próxima dos 350 anos, o que significa que começou a crescer por volta de 1650. Mas em Beja o clone desta árvore que se julgava extinta há dois milhões anos durou apenas 13 anos, oito dos quais ao ar livre.

A Wollemi nobilis, descoberta por acaso em 1994 por um jovem explorador australiano, David Noble, num desfiladeiro do Parque Nacional Wollemi, a 150 quilómetros da cidade de Sydney, é uma planta contemporânea dos dinossauros. Os fósseis mais antigos desta árvore têm 200 milhões de anos. O nome científico do género, Wollemia, deriva do nome do parque onde as árvores foram encontradas, e a qualificação da espécie, nobilis, é um tributo ao jovem australiano que as descobriu.

Os poucos exemplares adultos vivos do Parque Nacional Wollemi estão agora a ser sujeitos a fortes medidas de salvaguarda e conservação. Em paralelo está a ser seguido um programa cuidadoso de reprodução a partir de sementes e de estacas. Da primeira experiência reprodutora de clones efectuada na Austrália entre 1999 e 2000, a partir 15 árvores seleccionadas de um conjunto de 100 exemplares adultos, resultou a Wollemia nobilis plantada em Beja.

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