Crítica (dura) de uma remodelação anunciada

Costa vê o seu governo como um laboratório, ágil e versátil, que se dedica a fazer experiências, acomodando os assuntos de Estado às conveniências pessoais de cada titular.

1. A respeito da remodelação de que António Costa lançou mão no fim-de-semana, impõe-se falar sem rodeios e sem “paninhos quentes”. É, na verdade, estranha a atitude de beneplácito, de candura e de complacência com que tantos, na esfera pública, encaram um facto político objectivamente carregado de dimensões negativas. Vamos aos factos. E depois à sua interpretação.

2. A meio de Outubro, o primeiro-ministro fez uma enorme e significativa remodelação. Substituiu quatro ministros e operou uma sempre complexa reafectação de competências. Foi uma remodelação de volume e tomo, com um prazo de validade de menos de um ano.

3. Neste fim-de-semana, Costa reincide e, em escassos cinco meses, faz uma segunda remodelação, também substancial e de relevo. Desta feita, a breves oito meses de eleições, entram três ministros. Volta a ensaiar a reorganização de pastas, o que tem um peso administrativo enorme.

4. Um governo remodelado duas vezes em cinco meses e a menos de oito meses de eleições é um governo intrinsecamente instável. Esta instabilidade do “poder de organização” do primeiro-ministro fomenta a incerteza, a imprevisibilidade e a falta de confiança no executivo. O abuso do poder de remodelação para respostas de curto prazo denuncia insegurança e nervosismo.

É bem caso para dizer que, dada esta reincidência, estamos diante de puro experimentalismo político. Costa é o primeiro-ministro que dá aos seus novos ministros um horizonte de trabalho de escassos oito meses, inferior àquele que se dá a um jovem estagiário. Aí está um bom epíteto para o executivo saído dos sobressaltos de Costa: este é o governo dos ministros estagiários.

5. A mudança orgânica dos ministérios e instabilidade na reafectação das diferentes pastas tem repercussões altamente perniciosas nos departamentos administrativos delas dependentes e na administração em geral. Fazer da “energia” ou da “habitação” pastas móveis paralisa por completo, durante meses a fio, a capacidade de resposta dos respectivos serviços. A criação de novos ministérios ou a fusão total ou parcial de outros tem um custo administrativo absolutamente desproporcional. São mudanças constantes, que geram incerteza e indefinição, que obrigam a modificações das leis orgânicas, que, a correr bem, já só serão levadas a cabo quando o governo estiver a terminar funções. Costa vê o seu governo como um laboratório, ágil e versátil, que se dedica a fazer experiências, acomodando os assuntos de Estado às conveniências pessoais de cada titular.

6. Esta recente remodelação só foi avante porque a primeira se mostrou um rotundo fiasco. Repito - a remodelação de Outubro saldou-se num fracasso; com ela, nem Costa nem o governo ganharam fosse o que fosse; bem pelo contrário. A ministra da Saúde é muito mais incompetente do que o seu antecessor, suscita muito mais contestação e anticorpos, pauta a sua intervenção por declarações que acirram a polémica e a conflitualidade. A ministra da Cultura multiplica as gaffes geradoras de controvérsia, mistura as suas convicções e “gostos” pessoais com o programa político, em nada mostra ter superado a inércia de que acusavam o seu predecessor. O ministro da Economia não sai da rotina anterior e tem números bem piores para apresentar. Até o ministro da Defesa se dedica a afirmações impertinentes sobre os coletes amarelos lusos ou supostas operações militares na Venezuela.

7. Tanto na primeira como na segunda remodelação foram muitos os elogios à chamada ao Governo de personalidades do círculo de amizade ou próximo de Costa. Isto seria um reforço do núcleo duro do Governo e do seu músculo político, mas está visto que falhou no ensaio de Outubro, fica por ver o que resultará neste último de Fevereiro. A verdade é que só recorre a pessoas próximas quem já não está em condições de recrutar num âmbito mais vasto. Seja como for, cumpre perguntar: não haverá custos para a ética republicana na designação sistemática de “íntimos” para cargos públicos? Repito uma questão que aqui deixei há uns meses: que república sã e transparente tem um Governo em que quatro ou cinco ministros são amigos “lá de casa” ou dilectos filhos deles?

8. Por falar nisso, não é curial nem pode ser tido por banal que um ministro e uma ministra sejam casados ou pai e filho. As coisas complicam-se, se se descobre afinal que há vários membros do Governo que são cônjuges e filhos de ex-ministros ou de figuras gradas do PS e se outros são irmãos e primos de uns tantos mais. Que haja uma relação de sangue ou afinidade, diferenciada pelo currículo e pelo percurso de vida individual, não autoriza a falar numa patologia democrática. Mas, num governo em que convergem tantas situações de laços familiares de todo o tipo, há algo que contraria o princípio democrático, o princípio republicano e que não pode ser nem são nem bom. É inaceitável que António Costa não tenha sido nem seja sensível a esta confluência intrincada de relações familiares e de amizade. Como é incompreensível que as pessoas com estes nexos familiares não se escusem de aceitar certas responsabilidades. Nunca esperei que o PS pactuasse com e incentivasse este desenvolvimento oligárquico. O silêncio da esfera pública e mediática sobre este novo fenómeno socialista é insustentável. Nenhum primeiro-ministro de outro partido gozaria de tão inusitada tolerância.

9. Finalmente, Costa explica a remodelação pela necessidade de separação de águas. A sua preocupação ética e republicana chega tarde e em má hora. A asserção de que é preciso separar águas é a melhor prova da má consciência de António Costa. Ele sabe bem que o governo, de modo dissimulado, fez um desmesurado aproveitamento do cargo de ministro do Planeamento e Infraestruturas para lançar e promover o seu candidato. Ninguém esquece o cardápio de anúncios megalómanos feito em Janeiro e a presença obsessiva do ministro-candidato na esfera mediática. Onde pára a ética republicana com que o PS enchia a boca?

SIM. Missão do Grupo PPE. Os deputados europeus do PPE que tentaram entrar na Venezuela, para dialogar com Guaidó e com todas as partes são servidores da democracia e dos direitos humanos.

NÃO. Regime de Maduro. Ao impedir a entrada pacífica e dialogante dos parlamentares europeus confirmou a natureza ditatorial, repressiva e até cruel do projecto político que protagoniza.

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