O compromisso

Espero que chegue depressa o dia em que ambos percebamos que afinal queremos o mesmo: desistir daquela ideia estúpida e voltar ao tempo alegre em que não tínhamos compromissos e tínhamos a doce liberdade de sermos como nos apetece.

Gostávamos de nos ver. Parávamos um bocadinho para falar. Tínhamos sempre muito para dizer um ao outro e curiosidade em saber as opiniões do outro.

Até termos combinado organizar um encontro.

Ao princípio ainda foi como antigamente. Eu simplesmente dizia que ainda não tinha tido tempo para tratar daquilo — mas ia tratar, estava muito entusiasmado, ia ser óptimo.

Depois começou a deteriorar-se a nossa relação. As nossas trocas de palavras tornaram-se cada vez mais fake. As nossas desculpas por ainda não termos feito nada para organizar o encontro eram cada vez mais compridas.

Até aparecer o primeiro sinal de morte daquela amizade: as desculpas entraram no foro íntimo mas mentiroso: tenho andado doente, estou a traduzir Shakespeare, roubaram-me o telemóvel, estive seis meses no Canadá, mandava as crónicas de lá, pois claro. Sim, não se notava, escrevi-as para que não se notasse, ah, ah.

Finalmente começámos a evitar-nos, fingindo que não nos tínhamos visto, ficando aliviados quando o fingimento pegava. Ele já não era o amigo que gostava de literatura irlandesa — era aquele chato que queria a toda a força envolver-me numa chatice monumental.

Espero que chegue depressa o dia em que ambos percebamos que afinal queremos o mesmo: desistir daquela ideia estúpida e voltar ao tempo alegre em que não tínhamos compromissos e tínhamos a doce liberdade de sermos como nos apetece, trocando à vontade os nossos galhardetes.

Ambos sabemos que isso nunca vai acontecer. E que a próxima etapa será o ódio.  

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