Com Virginie Viard, a Chanel regressa às mãos de uma mulher

Há três décadas que Virginie Viard trabalha ao lado de Lagerfeld. Com a morte do criador, aos 85 anos, é a nova directora criativa da maison francesa.

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Nos últimos dois desfiles da Chanel Viard pisou a passerelle para agradecer LUSA/CHRISTOPHE PETIT TESSON

Foram mais de três décadas de trabalho lado a lado. Virginie Viard começou a estagiar na Chanel apenas quatro anos depois de Karl Lagerfeld ter chegado a director criativo. Foi o seu braço direito e agora sucede-lhe na liderança da maison francesa. A marca fundada em 1909 por Gabrielle Bonheur Chanel volta assim a estar nas mãos de uma mulher.

A escolha era a mais provável. Virginie Viard já fazia parte da maison: entrou em 1987 e só saiu durante cinco anos (entre 1992 e 1997), para integrar a equipa da Chloé, seguindo atrás do próprio Lagerfeld. Assumia até agora a direcção do Chanel Fashion Creation Studio e já era responsável por oito colecções por ano.

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A designer na apresentação da colecção em Janeiro, em Paris Reuters

Para Lagerfeld, Viard não era só o braço direito — era também o esquerdo. Já a própria descrevia-se como “alguém que ajuda a dar vida à visão [de Karl Lagerfeld]”. Numa rara entrevista à revista Elle, em Novembro do ano passado, detalhou a colaboração entre os dois: “Envio imediatamente cada desenho [de Lagerfeld] para cada première d’atelier [a pessoa à frente de cada atelier], consoante as suas capacidades. Visualizo o desfile, preparo as coisas para ele [Karl], decido os materiais, coordeno as equipas e faço a ligação com os fornecedores.” “A nossa relação é essencial, reforçada por uma amizade e carinho muito real”, comentou, por sua vez, Lagerfeld.

No último desfile da Chanel, durante a semana de alta-costura de Paris, em Janeiro, foi Viard quem pisou a passerelle para agradecer, no final, pois, segundo um comunicado da marca, Lagerfeld sentia-se cansado. Mas já no desfile anterior, em Outubro, os dois saíram juntos para o aceno final. “Odeio estar sob os holofotes”, admitiu a criadora, também à revista Elle.

Três maisons, três mulheres

Em comunicado, a marca francesa anunciou: “[A criadora] tem a confiança de Alain Wertheimer [co-proprietário da Chanel] para criar as colecções, para continuarmos a viver o legado de Gabrielle Chanel e Karl Lagerfeld.” Chegaram a circular rumores que Hedi Slimane poderia ser o próximo director criativo da Chanel, depois da sua saída da Saint Laurent, levando a marca a emitir em comunicado em 2017 para esclarecer que não estava em negociações com o criador, nem tão-pouco se preparava para lançar uma linha masculina.

Em vez disso, a marca volta agora a ser guiada sob uma perspectiva feminina, pela primeira vez desde Gabrielle Chanel. Mais conhecida como “Coco”, esta apropriou-se dos códigos do vestuário masculino e revolucionou a forma como as mulheres se vestiam — afirmando para sempre o tweed como imagem de marca da Chanel. “Digo frequentemente que a Mademoiselle Chanel é quase uma pessoa viva. Sinto-me inspirada pela sua história e o forte legado que nos deixou. E, claro, inspirada também pelo Karl”, comentou Virginie Viard, citada pelo Telegraph.

São assim três agora as grandes casas de alta-costura francesas lideradas por mulheres. Maria Grazia Chiuri e Clare Waight Keller tornaram-se, respectivamente, as primeiras mulheres à frente da Dior e da Givenchy.

Chiuri não só celebrou esse marco, como fez questão de levar o feminismo para o centro da criação da Dior, insistindo no papel da moda em fazer as mulheres sentirem-se confiantes. Logo no seu primeiro desfile, captou a atenção do público com a T-shirt “We Should All Be Feminist”, inspirada no título do livro de Chimamanda Ngozi Adichie.

“Quando cheguei, todos me disseram: ‘Oh, a Dior — a Dior é uma marca feminina. Esta ideia tradicional do ‘feminino’ era um bocado velha de mais para mim, por isso eu digo: ‘Concordo totalmente com esse valor, mas temos de falar para as mulheres de hoje’”, comentou a criadora à revista W, no ano passado.

Chiuri — que antes partilhava a liderança da Valentino com Pierpaolo Piccioli — não era a escolha óbvia para uma marca com o perfil da Dior. “É uma indústria estranha. Os clientes são mulheres, muitas das trabalhadoras são mulheres, mas toda a gente ficou surpreendida quando me tornei directora criativa da Dior”, atirou.

“Perguntam-me muitas vezes como é ser uma mulher à frente de uma casa de alta-costura em Paris e a minha resposta é sempre: ‘Por que razão é que deve sequer ser uma questão ser uma mulher?’”, questionou, por outro lado, Clare Waight Keller, num evento da revista Harper’s Bazaar.

Muito em simetria com aquela que era a relação do criador original da marca, Hubert de Givenchy, com a sua musa Audrey Hepburn, Waight Keller tem desenvolvido uma proximidade com Meghan Markle, para quem desenhou o vestido de casamento.

“Temos uma ligação profunda ao que vestimos”, declarou a duquesa de Sussex quando entregou o prémio de designer do ano de roupa de mulher a Clare Waight Keller, em Dezembro. “Para mim, está enraizada na capacidade de compreender que [a moda] tem a ver com apoiar e empoderar-nos, a nós e aos outros — especialmente enquanto mulheres. Quando escolhemos vestir um certo designer, não somos apenas um reflexo da sua criatividade e visão, somos também uma extensão dos seus valores.”

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