"Não defendemos uma solução política do PCP isolado"

João Oliveira conversa com o PÚBLICO a pretexto das jornadas do partido, que se realizam hoje e amanhã em Braga

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João Oliveira é líder da bancada do PCP Rui Gaudêncio

O líder da bancada comunista admite que o PCP vai continuar a instigar à luta, mas diz que não decide greves pela CGTP. Afirma que há o perigo “real” de um Bloco Central que junte PSD e PS, nem que seja porque, perante a crise do partido, essa poderá ser a única “prova de vida de utilidade” dos sociais-democratas.

Ao argumento de António Costa de que não há dinheiro, o comunista replica que há mas que está mal aplicado nas PPP e nos juros da dívida que teimosamente o PS não quer renegociar – matéria em que os socialistas conseguiram calar o Bloco.

Pegando nos temas das jornadas - desenvolvimento e soberania - nenhuma destas componentes foi concretizada nestes anos de Governo PS?
Pontualmente, mas no essencial o sentido é o oposto. Quando o Governo opta por não assumir o investimento público de que o país precisa para satisfazer a imposição da UE para as metas do défice, não só a soberania está comprometida como o que é imediatamente posto em causa são as possibilidades de desenvolvimento do país. O investimento não é só para resolver os problemas actuais mas também para preparar o país para os desafios futuros. 

Em que é que o PS e o Governo falharam o compromisso assinado em 2015 com o PCP?
Há algumas respostas longe de concretizar, como as da precariedade da administração pública, e há ainda processos legislativos em curso e decisões para tomar e garantir que os compromissos chegam à prática.

As greves e a contestação têm aumentado. A paz social acabou?
Há um conjunto de problemas que as pessoas sentem que não estão resolvidos e isso naturalmente motiva descontentamento e o desenvolvimento da luta.

E não serão resolvidos até às eleições?
A nossa perspectiva é que com o desenvolvimento da luta se criam condições melhores para que os problemas sejam resolvidos e nós faremos tudo para que nesta legislatura se vá tão longe quanto for possível na resposta. Alguns resultam de compromissos que foram assumidos mas não foram concretizados, noutros casos são de falta de resposta aos problemas que existem.

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Ir tão longe quanto possível significa instigar a CGTP a endurecer a luta?
Não, estou a dizer que iremos tão longe quanto possível, apresentando propostas.

Isso é no Parlamento. E nas ruas?
Eu estou a falar dos compromissos do PCP porque é em nome do PCP que posso falar. Em nome da CGTP, fala a CGTP; não há confusões que possam ser feitas. Mas podemos e faremos o apelo a que as pessoas lutem para ter os seus problemas resolvidos, pelos seus direitos e interesses.

Com greves e manifestações?
As formas de luta terão que ser definidas por quem tem a responsabilidade de as decidir. Agora, claro que nós fazemos o apelo para que as pessoas lutem. Precisamos da força da luta para fazer aprovar as nossas propostas.

António Costa já se queixou que há muitos focos de contestação ao Governo. Este clima de contestação pode influenciar as eleições?
Não sei se influencia as eleições. Eu espero que influencie positivamente as decisões que ainda podem ser tomadas até ao final da legislatura. Boa parte do descontentamento não é de desvalorização das medidas que foram tomadas; tem a ver com as medidas que não foram tomadas, com problemas que existiam em 2015 e continuam hoje. Eu espero que as pessoas percebam que se nos derem mais força nós estamos em melhores condições de os resolver. Obviamente com a consideração de que a luta não acaba a 6 de Outubro.

A resposta do Governo é que não há dinheiro para todas as reivindicações…
Ninguém está a fazer exigências para o imediato. A ideia de se dizer 'não há dinheiro'… Não. Há sempre dinheiro. É uma questão de haver interesse e fazer opções: em vez de esbanjar dinheiro em parcerias público-privadas e juros da dívida que não são renegociados podia-se mobilizá-lo para resolver os problemas. 

As europeias vão ser o primeiro teste a esta solução política de esquerda?
Cada eleição tem o seu espaço e os seus critérios próprios. São muito importantes para saber qual a representação que queremos ter no Parlamento Europeu: ter quem defenda os interesses do país ou quem diga 'Amen' a tudo o que a UE nos impõe?

Uma das bandeiras será a saída do euro?
Sim, mas não isolamos a questão da saída do euro; está considerada num quadro de outras questões. Não podemos secundarizar questões que arruínam a vida a milhares de pessoas como as das quotas leiteiras ou as limitações que são impostas à pesca da sardinha, que põe em causa a manutenção da actividade.

O PCP vai bater-se por um quarto eurodeputado?
Vamos bater-nos por objectivos e políticas concretas que devem ser assumidas no plano da UE. Com a noção de que quanto mais força tivermos, mais poderemos fazer vingar.

O assunto da renegociação da dívida foi ficando pelo caminho. Por culpa de quem?
Connosco também houve uma discussão durante meses sem que se chegasse a qualquer conclusão. Aquele relatório da discussão entre o PS e o Bloco e não deu em nada porque não era para dar em nada. Porque o PS não está verdadeiramente interessado em resolver o assunto, prefere ir gerindo o problema da dívida e não admite o que verdadeiramente permitia uma solução. Aquele relatório que foi produzido reflecte uma aceitação por parte do BE das posições que o PS sempre teve. 

Se o PS conseguiu essa influência sobre o Bloco e não se afastou da direita em estratégias e políticas, então o PCP é o último reduto da verdadeira esquerda?
Não, constatamos é que as opções do PS não permitem romper com a política de direita nem permitem libertar o país das imposições da UE e, portanto, por opção do PS os problemas de fundo do país não encontrarão solução. Isso quer dizer que somos os únicos e que somos auto-suficientes na solução dos problemas? Não, pelo contrário, nós não defendemos nenhuma solução política do PCP isolado.

Há um ano havia um novo fulgor no PSD e chegou a admitir um risco real de um Bloco Central. Com a deterioração do PSD esse risco aumentou ou diminuiu?
A tentação para encontrar esses elementos de convergência entre o PS e o PSD têm sido promovidos a partir de várias origens. E encontramos essa convergência entre PS e PSD de forma muito marcada em questões centrais. Por exemplo, na legislação laboral, que no ano passado era um exemplo paradigmático disso e que continua a ser. 

Não respondeu à pergunta sobre o risco.
Julgo que esse perigo mantém-se e é real. Não sei se é maior ou menor. O certo é que o PSD continua a nunca faltar ao PS sempre que é preciso salvar alguma opção da política de direita. Por exemplo: o PS não tem maioria absoluta, só está em condições de impedir a eliminação das propinas porque PSD e CDS lhe deram apoio para isso. Como fizeram com as portagens na outra semana. O PSD e o CDS têm-se revelado como o melhor seguro de vida para o PS na salvação de opções da política de direita.

Tem havido um aumento de movimentos e partidos. Sente uma ameaça real de fragmentação dos votos?
Não me parece que tenha de haver algum receio sobre isto. Há um quadro e um espaço próprio para que os partidos possam intervir e possam assumir o seu posicionamento. Também não me parece que estes novos partidos velhos tragam alguma novidade. São novos enquanto organizações políticas mas são muito velhos nas ideias que propõem e em alguns casos até nos protagonistas requentados que ressuscitam para a nossa praça.

Esta solução política aguçou a concorrência entre o BE e o PCP? 
Eu não consigo compreender esse conceito da maioria de esquerda. Hoje já é difícil saber o que é esquerda e o que não é esquerda, sobretudo quando algumas forças que se reclamam de esquerda abandonam combates essenciais dos trabalhadores... é difícil considerar que haja maiorias à esquerda. Da nossa parte, aquilo que é prioritário é o confronto e o debate político com os nossos adversários, não com aqueles que concorrem connosco [ao lado e não contra]. O Bloco tem uma posição de concorrência com o PCP e não é de adversário. 

O primeiro-ministro abriu a porta à regionalização e a um referendo em 2020. Como interpretou isso?
Deixe-me arranjar uma expressão que possa usar... Todas estas afirmações de aparente interesse do PS e PSD na regionalização são sopas depois de almoço. Quer dizer, os dois foram os grandes responsáveis pelos obstáculos à regionalização, por exemplo com a exigência constitucional de um referendo. As pias declarações que fizeram nos últimos tempos é um discurso que não bate certo com a prática de cada um deles. Estes pretensos regionalistas são para branquear as gravíssimas responsabilidades que os dois têm nos obstáculos.

Então aquilo foi o quê?
Se houvesse verdadeiro interesse do PS ou PSD em avançar com a regionalização, teria havido propostas concretas como as que o PCP apresentou: de uma lei-quadro de criação de regiões administrativas, outra de um calendário para a regionalização. Dos outros partidos nunca vimos nada concreto sobre isso. Não vamos mexer agora nas propostas. O calendário está completamente desajustado e é impossível até às legislativas convocar um referendo.

Como é que o partido está digerir este maior escrutínio de que tem sido alvo com notícias sobre as ligações de militantes do PCP a negócios com autarquias?
Deve custar mais a digerir a quem inventa essas mentiras do que propriamente a quem é alvo dessas mentiras.

O PCP coloca-se sempre como vítima e alvo de campanhas. A linguagem dura que usou nas reacções é um sinal da inabilidade para lidar com estas situações?
O que se nota é que o PCP nunca lidará bem com a mentira e por isso trataremos a mentira da forma mais dura que possa ser tratada. Campanhas de mentira, de difamação e de calúnia contra o PCP serão tratadas com a dureza que merecem, porque é disso que se trata e nada mais. E julgo que isso enlameia de facto aqueles que revelam esse tipo de padrões morais rasteiros no ataque que fazem ao PCP. 

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