Meta orçamental exigida a Portugal pode ser reduzida

Valor do Objectivo de Médio Prazo para o défice estrutural que será aplicado a Portugal nos próximos três anos está a ser revisto antes da apresentação do Programa de Estabilidade pelo Governo.

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miguel manso

A redução da dívida pública registada em Portugal nos últimos anos poderá permitir ao Governo, no Programa de Estabilidade que irá apresentar no próximo mês de Abril, apontar para um objectivo de saldo orçamental estrutural menos exigente do que aquele que tem tido nos últimos três anos, reduzindo deste modo o esforço de consolidação necessário já a partir do próximo ano.

Em causa está o chamado Objectivo de Médio Prazo (OMP) que é definido para o saldo estrutural (saldo orçamental descontando o efeito da conjuntura económica e as medidas extraordinárias) de cada um dos países da zona euro e que, enquanto não for alcançado, força os governos a melhorarem o seu saldo estrutural em pelo menos 0,5 pontos percentuais ao ano.

O OMP é, em teoria, definido pelos próprios países, de três em três anos. No entanto, os governos estão limitados por um valor mínimo que é fixado através de uma fórmula automática que leva em consideração questões como a sustentabilidade da dívida ou a margem de segurança que um país deve assegurar para resistir melhor a crises.

No caso de Portugal, o valor mínimo para o OMP foi inicialmente de um défice estrutural de 0,5% do PIB, mas em 2016 passou a ser mais exigente: um excedente de 0,25% do PIB. Agora, na preparação para a apresentação do novo Programa de Estabilidade em Abril, são calculados novos mínimos para os OMP que os países vão adoptar.

A fórmula de cálculo do mínimo para o OMP não está definida nos tratados, mas sim em documentos técnicos publicados pela Comissão Europeia, como o “Vade Mecum do Pacto de Estabilidade e Crescimento”.

As regras aí definidas, apontam para a existência, não de uma, mas de três fórmulas de cálculo do OMP mínimo, sendo que a fórmula aplicada será aquela que produzir, para cada país, o resultado mais exigente.

Assim, uma primeira fórmula está relacionada com criação de uma margem de manobra suficiente para que, em caso de crise, o défice de um país não ultrapasse os 3%. Isto é feito com base nos níveis de volatilidade passada dos saldos orçamentais e no caso português o cálculo realizado pela Comissão Europeia aponta para um OMP de -1% em 2019.

Uma segunda fórmula está relacionada com o compromisso assumido no Tratado Orçamental pelos Estados membros de apontarem para um objectivo de médio prazo para o défice estrutural de pelo menos 0,5%.

Uma terceira fórmula de cálculo é a que tenta assegurar a sustentabilidade de longo prazo das finanças públicas, levando em conta indicadores como o nível actual da dívida pública, os custos orçamentais associados ao envelhecimento da população e o crescimento económico estimado para os próximos 70 anos. Estes dois últimos indicadores são calculados pela Comissão no relatório sobre envelhecimento (Ageeing Report) que publica de três em três anos.

No caso português, é usando esta última fórmula que se chega ao valor mais exigente para o OMP mínimo. Em 2016, o valor a que se chegou foi de um excedente de 0,25% do PIB.

Agora, para 2019, de acordo com os cálculos do PÚBLICO com base na fórmula em vigor e utilizando as estimativas publicadas pela Comissão Europeia para os custos com o envelhecimento e o crescimento nominal da economia no mais recente Ageeing Report, tudo aponta para uma redução do objectivo mínimo exigido a Portugal.

A grande diferença em relação a 2016 está relacionada com a diminuição do nível da dívida pública que há três anos estava em 129,2% e que agora, de acordo com a estimativa da Comissão Europeia, se encontra entre 121,5% (2018) e 119,2% (2019). Para além disso, o custo orçamental adicional com o envelhecimento estimado para os próximos 50 anos baixou, entre 2016 e agora, de 0,3% do PIB para 0,1%. Isto permite que, usando a fórmula de cálculo mais exigente para Portugal, se registe uma descida do objectivo mínimo em cerca de 0,25 pontos percentuais, ficando o seu valor muito próximo dos 0%.

Dependendo do montante exacto que vier a ser considerado pela Comissão Europeia para a dívida pública, pode registar-se uma descida do mínimo exigido para o OMP português do actual excedente de 0,25% para 0% ou mesmo para um défice de 0,25% (o arredondamento é feito até ao quarto de ponto mais favorável).

Esta mudança, apesar de aparentemente pequena, pode ter consequências significativas nos planos orçamentais traçados pelo Governo nos próximos anos. De acordo com as contas feitas em Outubro pelo Executivo no Orçamento do Estado para 2019, o défice estrutural irá descer este ano até os 0,3% do PIB. E no Programa de Estabilidade do ano passado, o Executivo antecipava a passagem para um excedente de 0,3% em 2020, atingindo assim o OMP.

Agora, se o novo OMP para o qual Portugal tem de caminhar passar de um excedente de 0,25% para apenas 0% ou mesmo para um défice de 0,25%, o esforço de consolidação a que Portugal fica obrigado diminui, libertando para 2020 um valor que pode ser de cerca 500 milhões de euros (caso o OMP passe para 0%) ou de 1000 milhões (se o OMP passar para um défice de 0,25%).

É claro que o Governo terá sempre a opção de, mesmo depois de atingido o OMP, continuar a melhorar o saldo estrutural a um ritmo elevado, tanto em 2020 como nos anos seguintes. No Programa de Estabilidade de 2018, o Executivo apontava para um excedente estrutural de 0,9% em 2022.

Esta semana, Paulo Trigo Pereira, professor de Finanças Públicas e deputado não inscrito (deixou o grupo parlamentar do PS em Dezembro), apresentou um projecto de resolução na Assembleia da República que recomenda ao Governo que negoceie com a Comissão Europeia uma redução do OMP para o saldo estrutural.

Num documento em que analisa esta questão, o deputado critica a “complexidade” das regras orçamentais europeias e o que diz ser “a ingerência desnecessária e eventualmente contraproducente na tomada de decisão nacional dos Estados membros”. Relativamente ao OMP e à sua fórmula de cálculo, Paulo Trigo Pereira assinala que esta não está definida nos tratados e que aquilo que existe na fórmula de calculo é, em larga medida, o resultado de “juízos de valor por parte dos técnicos”.

Por isso, defende, aquilo que deveria acontecer era um regresso a um OMP para o saldo estrutural de -0,5% do PIB. E acredita que “as ambiguidades interpretativas em relação ao objectivo de médio prazo, para além das dificuldades reconhecidas em estimar o “hiato do produto” e o “saldo estrutural”, conceitos chave para se obter o objectivo de médio prazo, sugerem que existe um campo para a negociação política por parte dos governos nacionais que deve ser explorado”. Por isso, defende, “Portugal deveria pugnar por uma redução do objectivo de médio prazo para os -0,5% do PIB potencial, e deveria tornar mais transparente, perante os seus cidadãos, todo este enquadramento de regras orçamentais que acaba por afectar a vida das famílias e desempenho económico das empresas”.

Questionados pelo PÚBLICO, nem o Ministério das Finanças nem a Comissão Europeia esclareceram se já foi calculado, negociado ou decidido o novo valor do Objectivo de Médio Prazo que se irá aplicar a Portugal durante os próximos três anos.

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