A pneumonia de António Costa

Com a aproximação das eleições vão-se multiplicando os focos de tensão e o agravamento da pressão sobre o Governo, alimentados pelos mais variados sectores – e não apenas laborais, como revela o caso da ADSE

Num dos seus últimos artigos (sempre muito bem informados) no Expresso de ontem, Ângela Silva recorda uma frase recente de António Costa a propósito dos riscos das reivindicações em cadeia a que assistimos em Portugal face às actuais dificuldades de crescimento a nível internacional: "Temos de ter cautela para não expor o país a uma corrente de ar que dê numa gripe e se transforme numa pneumonia". Eis o típico exemplo de uma profecia auto-realizável, já que é o próprio António Costa, no ambiente de crise social que hoje enfrentamos, quem parece ter sido já atingido pela pneumonia para a qual alertava. De facto, com a aproximação das eleições – europeias na Primavera e legislativas no Outono – vão-se multiplicando os focos de tensão e o agravamento da pressão sobre o Governo, alimentados pelos mais variados sectores – e não apenas laborais, como revela o caso da ADSE.

Não sendo propriamente novo, já que também marcara o período anterior à aprovação do último Orçamento do Estado, o avolumar dos conflitos que põem cada vez mais em causa a capacidade do Governo em conciliar as restrições orçamentais – sobretudo num momento em que a economia europeia enfrenta uma conjuntura tendencialmente recessiva – com a satisfação dos cadernos reivindicativos sindicais (e outros) está a afectar seriamente a saúde política do executivo e do seu chefe, comprometendo aquilo que ainda há pouco parecia ser um objectivo ao alcance do PS: senão a maioria absoluta nas legislativas, pelo menos uma vitória tão clara que o tornaria novamente o elemento decisivo da próxima arquitectura governamental.

O caso da ADSE, para além das questões que lhe são específicas ou dos crónicos desacertos da ministra da Saúde e outros responsáveis oficiais, veio evidenciar dois factores preocupantes que se estendem a outras áreas da acção do Governo: uma incapacidade de prevenir e precaver problemas há longo tempo anunciados (incluindo a necessidade de uma revisão de fundo do sistema de seguros dos trabalhadores do Estado) e uma falta de estratégia – e correspondente pedagogia – para enfrentar, superando o tacticismo da navegação à vista, as exigências imparáveis das corporações do funcionalismo público e os constrangimentos orçamentais que, embora permanentes, se têm vindo a agravar nos últimos tempos. Este foi, claro, um dos preços da estabilidade (precária) da "geringonça", em que Costa e os seus aliados esticavam a corda até ao limite mas evitando parti-la, o que se tornou cada vez mais difícil de sustentar face à sucessão de expectativas frustradas das clientelas dos aliados à esquerda (em especial do PCP e do seu braço sindical, a CGTP). Ora, é preciso lembrar que Costa foi co-responsável pela criação dessas expectativas que se foram esgotando à medida que se esvaziava o saco das chamadas "reversões". Não é por acaso, aliás, que o actual movimento de protesto sindical já ultrapassa o que se fez sentir durante o período da troika-Passos Coelho.

Dirá Costa que não havia alternativa à sua consumada habilidade táctica e ao seu optimismo «irritante» depois dos tempos em que os portugueses foram alvo da sobranceria e do desprezo do Governo anterior. Ou que não havia estratégia mágica que pudesse compatibilizar, em absoluto, rigor orçamental e expectativas sindicais. Só que o custo das ilusões entretanto alimentadas está a ser cobrado hoje com juros. E a corrente de ar «"que dê numa gripe e se transforme numa pneumonia" já terá atingido quem lançou o alerta. Ou seja, António Costa.

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